sexta-feira, 24 de abril de 2009

O EXORCISMO DE CARLINHO SATÃ


Aquele sábado de sol prometia uma noite brilhante. Carlinho Satã tinha descolado duas gatas (segundo ele) pra gente se divertir um bocado e eu aproveitara aquela tarde de junho para dar um trato no porcomóvel. Quanto mais esfregava, mais percebia que cada um tem o calhambeque que merece. Já suava como uma capivara, mas no fim tudo valeria a pena, eu acho.

-Porra, tu tem que ver a Leandra, é maior filé. Se pronunciava Carlinho. –Nem faço questão de pegar, até porque tem a Karen, que quebra a firma geral.

Eu conhecia aquele imundo, e sabia que estava deixando claro que o lance dele era a Karen, que devia ser bemmm melhor que a outra, como eu não conhecia nem uma, nem outra, estava pouco me fodendo, queria apenas diversão. E ele lá de pé, me olhando e falando com aquela voz de pato rouco, enquanto eu esfregava a caranga mais vezes que o Daniel San.

As oito já estava arrumado e fui pegar o Carlinho. A gente de fato não faz muito o estilo “modelo de beleza” que a TV vomita na galera. Carlinho estava uns dez quilos acima do peso, tinha o cabelo gigante enrolado e olhos foscos, usava uma calça jeans surrada muita coisa, uma camisa de listras da Mesbla e um tênis de educação física cagado de lama. Eu também estava acima do peso, branco como um leitão cabeludo e vestia uma calça cinza feia demais, sem cueca, uma camisa do Dinosaur Jr com uns furos no suvaco e um tênis todo cheio de silvertape pra não desmontar. Estávamos devidamente perfumados e com pouco dinheiro pra variar, viva o limite do mastercard. Saímos confiantes.

As mulheres moravam na Mallet, mais precisamente em um prédio amarelo grande, em frente a uma praça mal iluminada, com bancos quebrados, mato alto e alguns bêbados fedorentos jogados pelos cantos. Parei a caranga embaixo de uma árvore, agora era só esperar. Marcamos às 9 horas.

Pude observar nesse tempo, algumas pessoas que passavam pelo carro. Vi um velho curvado que falava sozinho, uma grávida de uns 13 anos vestindo uma roupa para 8 anos e um moleque soltando pipa no escuro. Tinha também um coroa com uma gaiola coberta por um pano branco. As pessoas se tornam zumbis em algum momento da vida, espero não passar por isto.

Às nove em ponto, surgem duas mulheres vindo na direção do carro. –Ó elas aí! Fala Carlinho animado.
Uma mancava e outra parecia mais esférica que o próprio Carlinho. Tomara que a Leandra seja a manca, pensei. Tinha um bolação com as gorditas. Meu amigo Dentinho me contou uma vez, sobre um ataque que sofreu no morro da Sulacap, uma gorda enfiou ele dentro dela a força. Pobre Dentinho.

As mulheres passaram por nós e seguiram seus rumos, não eram elas. Carlinho testava seu humor negro em mim. Ufa, ainda bem.

Vinte minutos depois, surgem duas mulheres na contra-luz do prédio, se apresentavam com silhuetas bastante interessantes e se aproximaram. Carlinho tinha finalmente acertado a mão, eram pós-ninfetas com seus vinte e poucos anos. Conheci então a sorridente Leandra, com seus cabelos escuros enrolados, aluna de educação física, peso certo com gordura certa e um dente quebrado na quina, dando um charme ou pala que precisava consertar, não sei ao certo. Vestia uma calça jeans abaixo da cintura, uma sandália riponga e uma camiseta branca que denunciava a falta de sutiã. Curti. Já a Karen era A mulher de bandido. Vestia uma calça branca enfiada no rabo, com suas picanhas saltando por cima da cintura, um cinto preto e dourado, uns brincos de argola também dourados, uma blusa preta com um nó. Tinha peitos grandes e cabelos amarelos, maquiagem exagerada e uma cara de burra escandalosa que gostava de apanhar. Carlinho curtiu.

Sentaram Carlinho e Karen no banco de trás, eu e Leandra na frente. Antes de virar a chave, perguntei: -e aí, pra onde vamos?
-VAMOS METER PORRA! Berrou Carlinho, como um babuíno ensandecido.-Vamos prum teltel!

A arte de me constranger. Bicho maluco, como ele fala assim desse jeito. Tinha apenas me apresentado, não trocara nem uma palavra ainda. Carlinho ia foder com tudo, isso sim, que merda.

-Demorou! Falou Karen. –Se não for no Taba, tudo bem.
Caralho, o mundo acabou. Pensei. Mas também com esse estilo, não esperava ouvir outra coisa. Mas o Taba era uma merda mesmo, a última vez que fui lá, não dava pra abrir a porta do quarto, porque tinham dado um jato na maçaneta. Merda de motel.

-É, no Taba é caído, lá eu tô fora. Rebateu Leandra.
Caralho, o mundo acabou de verdade, me senti um puritano careta recém saído do monastério. Então contribuí: -Vamos pra rua dos motéis, lá na Barra?
-Vamos! Berrou um coro. Partimos alegres.

Passamos em um AM/PM da vida e pegamos umas longnecks pra ir mamando no caminho. Quando o som começou a rolar, fui duramante repreendido pela Karen, que segurava a garrafa com a mão direita e o pau de Carlinho com a conhota.

-Que merda de música, chata pra caralho! Põe algo bom aí Molusco.
-Eu gosto. Por mim, qualquer coisa agrada, desde que não seja funk. Falou Leandra ganhando pontos comigo.
-Fala sério Leandra, parece música de velho. Desdenhou Karen.

Bem, desde de que ouvi pela primeira vez, sempre tive certeza da qualidade do Cure, que agora foi resumido como merda de música. Pictures of you uma merda de música? O quê aquela vaca punheteira estava falando? Música de velho é foda! Troquei a fita pra algo mais porrada e fui esculhambado de novo.

-Tá maluco Molusco, essa merda não dá pra dançar.
Tá de sacanagem, eu danço Nirvana até vestindo um escafandro. Porque ela não mete o pau na boca e fica quieta. Mas ela não parava de falar.
-Então diz aí, o quê você quer ouvir? E você, Leandra? Perguntei.
-Ah, qualquer coisa, desde que não seja funk. Falou perdendo pontos comigo.
-Mete um Só pra contrariar. Falou Karen.
-Hahahahahaha, só pra te contrariar não vai rolar. No dia que eu ouvir essa merda, você pode me dar um tiro nos cornos. Coloquei um Raimundos pra me acalmar, ela ouviu e gostou. Idiota.

Parei o carro antes da rua do motel, Carlinho e Karen se jogaram na mala. Queríamos pagar um quarto e beber o outro. Conseguia falar com Carlinho através do buraco do twitter que nunca existiu.

-Molusco, tá me ouvindo? Anda que aqui tá foda.
-Guenta aí maluco, relaxa. Falei virando o carro no primeiro motel, que estava lotado. -Tá tudo lotado Carlinho.
-Aí Molusco, achei uma garrafa de vinho, tava malocando né? Falou Carlinho pelo buraco.

Vinho, que vinho? Que porra de vinho que o Carlinho achou? CARALHO, não pode ser! Será o vinho de quando fui pro Sana com Marrisso? Essa merda deve estar uns 10 meses na mala.

-Satã, não bebe essa porra não, isso tá podre! Falei.
-Podre tá teu rabo! Tem até uns sanduíches. Tava escondendo rango? Maior vacilo!
MINHA NOSSA SENHORA! Os sanduíche de patê também da viagem do Sana.
-Carlinho, para de comer essa merda! Berrei.
-Tá gostosão, com esse vinho então... Mandou.

Eu apenas via seus lábios roxos de vinho saindo pelo buraco e falando cuspindo vários pedaços de plus-vitta. Filme de terror. E nada de motel ainda. Era semana do dia dos namorados e a galera resolveu meter. Carlinho deu uns arrotos e todos riram.

Finalmente depois de 8 motéis lotados, consegui uma vaga no XáXáXá.

-Amigão, me vê um quarto com garagem por favor? Pedi pro recepcionista.
-Boa noite, toma aqui a chave. Segue até o fim, é aquele bem de frente pra cá. Apontou uma longa reta.
-Obrigado. Parti com o carro e reparei pelo retrovisor que o recepcionista não parava de olhar pra mala e coçar o queixo. Porra, o gordo do Carlinho devia estar empinando o carro junto com aquela vaca loira na mala. Vai dar merda, pensei.
Passei pelo primeiro de uma série de quebra-molas, e ouvi algo na mala, um grunido. Porra, o Carlinho já devia tá metendo.
-Porra Zé Cú, vê se não faz barulho aí. Falei.

Passei por outro quebra-molas e de novo um som gutural. Estava estranho.
Entrei na vaga, saltei da caranga e arriei a porta da garagem. Pela fresta entre a porta de metal e a parede, pude ver o recepcionista boladão vir na nossa direção. Fodeu.
Abri a tampa da mala e falei baixinho:
-Aí, vou fechar aqui, se finjam de mortos aí, porque tá vindo o recepcionista com uma cara de que foi enrolado. Bati de novo a mala. Subi com Leandra e marquei 10 minutos num esquenta legal. Resolvi descer pra liberar Carlinho e Karen.

Conforme vou descendo a escada, vou ouvindo uns sons que se transformaram em vozes.
-Eu juro, não sei como fui parar na mala.....
-Ah meu amigo, vê se tenho cara de idiota...
-Não, é que estou muito doido...

Fui enxergando todos de baixo para cima. O recepcionista puto, que enquadrava Carlinho. Este, que já estava fora da mala, e ao lado dele, Karen, totalmente vomitada, com vários pedacinhos de pão espalhados pelo cabelo, rosto e blusa. Puta merda.

-Puta merda Carlinho, o que houve? Perguntei.
-MOluscooooo!!!!! Berra Satã doidão. –Você passou pelo quebra mola, aí não agüentei....Ainda tampei a boca, mas saiu tudo pelo nariz. Foi tudo na palhaça dela. Riu com os olhos pequenos.

O cara muito puto falou:
-Quero que vocês saiam agora porra. Vão embora rápido.
-Deixa ela lavar o cabelo. Pedi.
-Lavar na puta que pariu. Fodam-se vocês tudo.

Entramos na caranga e saímos do XáXáXá sem meter, graças aos gordos na mala.
O cabelo de Karen parecia uma árvore de natal do inferno, fedia como um bode morto. Fomos na praia pra ela lavar o cabelo. Trash total, não sei quem deu essa idéia idiota, e ela voltou com uma palha no lugar do cabelo, coisa horrorosa.

-E agora, o quê faremos? Perguntei.
-Meter porra! Berrou Carlinho com a camisa manchada de vinho.
-Tá maluco? Berrou Karen. Com esse cara eu não meto, ele chamou o Raul em mim.
-Qual é Karen, a gente precisa compensar, me dá um beijo.

Carlinho voltou e pegar a Karen. Porra, achava que nunca veria algo tão inusitado. Um bafo de patê podre com vinagre beijando na boca da Carla Perez bizarra, e prestes a meter, ê mundo legal.

Voltamos para Intendente Magalhães, no caminho Leandra mostrava toda sua desenvoltura manual e Karen estava com algo na boca que a impedia de falar algumas merdas. Resolvemos invadir o Shelton motel, quase bom, quase bonito e quase barato.

-Seguinte, cada um vai pegar um quarto, ok? A gente não pode correr riscos de outra fatalidade. Falei pra galera.
Entrei com a caranga e pedi pro recepcionista: -Boa noite amigo, vê 2 quartos, pode ser sem garagem mesmo.
-Aqui está, 302 e 203.
-Quer qual Carlinho?
-Me vê o 203. Pegou a chave, saltou do carro com a Karen e subiu, parceiro. Estacionei e subi com Leandra.
Quartinho honesto, das antigas. Spots coloridos por baixo da cama redonda, controle dos rádios num painel em aço escovado um banheirinho confortável, valia R$29,90 fácil.
Sintonizei numa goodtimes da vida e Leandra veio dançando do banheiro com um breja na mão e peitos de jujuba no pudim. Me empurrou na cama com o pé e pulou de pé sobre mim. Dançava como uma enguia louca, desabotoando com elegância a calça, que já mostrava uma calcinha de algodão devidamente posicionada para atiçar meus demônios. Rock and roll. Jogou cerveja na minha cara e arrancou minha roupa com fúria. Ok, vamos jogar.
Daí, o telefone do quarto toca. Como assim, o telefone toca? Foda-se o telefone, deve ser engano.
Voltei pro game, que estava quentíssimo. O telefone parou. Ótimo.
A estética feminina é a prova concreta da existência de Deus. Gosto de chafurdar, estava chafurdando. O telefone toca de novo. Merda, como me concentrar assim?
-Melhor atender essa merda. Falei e levantei de pau duro.
-Ahhhh.....Retrucou Leandra.
-Alô!
-PELAMORDEDEUS MOLUSCO, CORRE AQUI, O CARLINHO TÁ MORRENDO!!
-O quê? Como assim? Karen?
-PORRA, QUEM VOCÊ ACHA QUE É? CORRE, ELE TÁ DANDO CHOQUE! CORRE!

Saí descaralhado pelo corredor. Estava enrolado numa toalha. O que houve desta vez?
Cheguei no 203 já entrando direto. Quando vejo, está Karen em um canto do quarto, de pé, enrolada no lençol, com os olhos arregalados chorando e berrando:
-Olha ali Molusco, olha ali, ele tá morrendo!

Caralho, o Carlinho tava deitado nu na cama, seu cabelo estava todo de pé, inclusive os cabelos do braço, ele estava consciente, mas estava grogue, parecia muito louco.
-MOoollllusscccoooo........ Ele agarrou em mim, e eu tô dando choque, ó isso. Aproximou sua mão esquerda no braço direito, e saiu umas fagulhinhas, tipo aquelas fagulhas que saem do click de fogão. Bolei.
-Porra, você tá sentado em algum fio desencapado. Falei. - Levanta o rabo daí.
-Fio desencapado no teu cú. Chega aqui pra ver o choque? Eu quase tostei a Karen. É Ele que tá agarrado em mim. Falou Carlinho se levantando e cambaleando.
-Ele quem maluco?
- Ele! Porra, pega esse travesseiro e bate nas minhas costas pra Ele desgarrar.
-Hã? Como assim?
-Bate porra, bate em minhas costas. Anda logo.

Comecei a bater nas costas do Carlinho, e ele pedindo mais. Porra, já estava largando umas boas porradas, nisso a toalha já tinha caído há muito tempo. De repente passa uma faxineira com um carrinho cheio de vassouras, rodos, essas porras.
-MOLUSCO! Pega uma vassoura ali, anda! Berrou Carlinho.

Fui lá e tomei do carrinho uma senhora vassoura. Mirava nas costas do Carlinho e largavo o braço, parecia jogador de beiseball, ele gritava como um porco com a porra do cabelo em pé. Dei umas 6 porradas quando ele berrou: -Desgarrou porra! Vou pro chuveiro!

-Que chuveiro? Tá louco? Você vai morrer eletrocutado. Gritei nu e cansado.

Olhei para Karen e ela estava em pânico. Olhei para a mulher da faxina e ela estava rindo com sua boca sem dentes. Se a gente trabalhasse limpando merda, sangue e gozo também riria. Corri pra ver o Carlinho no chuveiro. Ele estava desmaiado, mas estava vivo.

Voltei, fechei a porta e perguntei a Karen o que houve. Ela falou chorando:
-Cara, a gente já estava nu, na cama e falei pra ele que fui num pai de santo.
Pensava no porquê dela falar sobre isso naquela hora, mas fiquei na minha.
-hmmm e aí?
-Aí falei que o pai de santo me disse que uma entidade queria falar comigo. Aí o Carlinho virou a pele dos olhos pra cima, assim ó, e falou: -Eu sou a entidade, vou te comer é agora porra! Daí ele começou a me dar choque, foi isso.

Caralho. Não sabia o quê pensar. De repente aparece Carlinho nu, cena estranha por acaso, perguntando o que houve. Simplesmente não lembrava de nada.
Peguei minhas coisas, pagamos e entramos no carro, silêncio sinistro, ameacei pegar a fita Mutantes com Bate Macumba para zoar com a situação, nessa hora me correu um arrepio que foi da nuca até o rabo, desisti da brincadeira.

Voltamos no silêncio e sem comer ninguém.

FIM