quarta-feira, 6 de maio de 2009

AVENTUREIROS

Demorei um pouco, mas finalmente achei uma posição legal pra ler meu Huxley. Curto estes rituais para executar coisas prazerosas. Pernas devidamente cruzadas, um tapa pra abrir as portas da minha percepção, um copo de coca com gelo até a boca e um almofadão criando a lordose certa na minha coluna, quero morrer assim. Estava devorando as páginas, quando o interfone tocou. Daqui não saio, pensei. E o interfone tocou mais e mais, e ninguém atendeu. Será que todos saíram? Merda, me levantei sabendo que nunca mais conseguiria aquela posição novamente.

Peguei no fone:
-Quem é?
-VA-GA-BUN-DO. Falou o inconfundível Dentinho.
-Fala Dentinho, peraí.
Fui até o portão. Abri e ele estava com aquele sorriso de 32 dentes, como sempre.
-Vamos pra Ilha Grande, pega sua mala. Falou rindo.
Caralho, Ilha Grande era a última coisa que passava pela minha cabeça, tinha que pensar em uma desculpa rápida, mandei:
-Porra Dentinho, Ilha Grande porra nenhuma, vai chover. Olhei pro céu e apontei pra meia dúzia de nuvens poluídas.
-Tu tá maluco! Vambora porra. Mulheres, bagulhinho, breja, arrumei uma barraca responsa, vambora!

Opa, ele estava quase me convencendo, mas tentei de novo: - sem grana Dentinho.

-Grana pra quê? A gente fica na barraca, meu pai leva a gente até Bangu e lá a gente pega um bumba. Vai gastar merreca. Daqui a 30 minutos passo aqui pra te pegar. Mulherada Molusco, mulherada. mais.

Ok, ele me convenceu: -Vou arrumar minhas coisas, mais.

Joguei duas camisas surradas, duas bermudas, um par de chinelos velhos, sabonete phebo, quadriderm pra cuidar das mirrancas, shampoo 2 em 1, escova e pasta de dentes. Mala pronta, opa, faltou o Huxley que estava lendo. Hmmm, faltou também um walkman com caixinhas pra rolar uma festinha na barraca. Se bem que festinha sem vinho não dá. Agarrei um sangue de boá tinto suave. Agora sim, mala pronta.

Dentinho buzinou como um louco e partimos rumo a Bangu. Reparei que Dentinho também tinha uma mochila lotada de coisas, mas não vi barraca. Estranho.

Quando saímos do carro, pai de Dentinho abriu a mala da fuca e vi um saco de lona, com algo semelhante a um corpo dentro.

-Dentinho, vais esquecer a barraca. Falou rindo, tal pai, tal filho.
-É mesmo, hahaha, imagina. Me ajuda aqui Molusco.
-Tá de sacanagem que a barraca é isso aí? Tem um defunto aí dentro.

Comecei a puxar da mala, e era mesmo o peso de uma pessoa, que merda de barraca.
-Porra dentinho, era mais fácil a gente levar tijolos e cimento e fazer uma casa lá. Falei puto.
-Deixa de ser bicha, vamos fazer o seguinte, você prefere levar ou trazer? Perguntou Dentinho.
Não sei porque não sugeri que dividíssemos o peso, dei mole.
-Prefiro levar. Assim você se fode na volta.
-Tudo bem. Toma que o filho é teu.

Filho gordo. Estava arrastando aquela merda, mas pelo menos o tempo estava lindo, o fim de semana prometia de fato. Dentinho mandou bem.

Pegamos um ônibus que ia até Angra dos Reis, já estava cheio quando entramos. A barraca ocupava o espaço de uma pessoa de pé, engraçado. Quando chegou em Campo Grande o ônibus contrariou a lei da física que dois corpos não ocupam o mesmo lugar ao mesmo tempo. Era simplesmente o ônibus mais cheio que vi em toda vida, meus pés não tocavam mais o chão, via apenas cotovelos, bonés, enxadas, bocas com dentes intercalados, tinha um leitão berrando ao norte do ônibus. Filme de terror. Algumas horas depois chegamos a Angra. Saí do bumba totalmente suado e fedendo, arrastei a barraca como o pagador de promessas e compramos duas passagens de traineira. Estávamos próximos do paraíso. E o Sol lá, nos acompanhando.

Depois de uns vinte minutos chegou a tal embarcação que nos levaria ao paraíso. Uma porra de um barco velho pra caralho, com uma cabinezinha pro piloto e mais quatro pessoas, a pintura totalmente ralada e do lado estava escrito “Corajoso”.

-Aí Dentola, na boa, essa porra vai virar. Falei bolado.
-Vai nada, ô o nome ali, Corajoso.
-Isso é o nosso nome se subirmos nessa merda. Falei muito bolado.
- Tá maior bicha hoje hein? Vambora porra. Falou Dentinho pulando no barco.

Pulei também, tinha umas doze pessoas no flutuante, todos na casa dos vinte e poucos anos, uns malucos, uns caretas, umas mulheres mais ou menos, nenhuma gata. Quando nos afastamos uns cem metros, o piloto gritou: -ACENDE PORRA!

Um hippie disfarçado de careta me puxa um baseado gigante em forma de cone e taca fogo. Rodou o barco inteiro como uma tocha olímpica, quando chegou no piloto, ele segurou por algum tempo aí gritaram não sei de onde: -Trabalhou na superbonder piloto? Libera aí!
-Hahahahaha, se ficar reclamando, dou um cavalo-de-pau com essa porra hein? Falou rindo pra caralho.

Chegou finalmente na minha mão. Dei aquela carburada V6 e passei pra Dentinho, que estava com mais dentes que o normal. Ele puxou como um compressor e passou pra frente. É, tinha mais tamanho que força, sou mais o nosso, pequeno e eficiente.

De repente escuto o piloto berrar: -Segura que vem tempestade.
Caralho, impossível crer que há cinco minutos estava um céu lindão. São Pedro com certeza botou um estagiário pra pilotar as alavancas e vazou. Estava tudo negro, o dia virou noite.

Começou a chover muito, uns pingos tipo moedão batia e doía, ok, estava crazy, mas a dor era de verdade. A galera se juntou na cabine, que parecia agora o bumba de Bangu e não sobrou espaço pra gente. Consegui encaixar nossas mochilas no meio da muvucada e roubar uma carburada com o bico molhado, mochilas secas pelo menos.

Ficamos isolados como cães leprosos e totalmente molhados.
-Não falei que ia chover? Disse puto pra Dentinho.
-Chuva de Verão, dacapouco passa. Falou Dentinho, tremendo.

Uma hora depois a chuva estava mais torrencial que nunca. Maldito Dentola, mandou mal.

Ondas gigantes faziam o precário barco ranger e balançar de uma maneira que estava quase me cagando, Dentinho estava petrificado. O piloto doidão estava amarradão com a adrenalina e falava com um sorriso amarelo: -É nós Corajoso, é nós, agüenta firme porra. As pessoas da cabine pareciam zumbis calados e colados uns nos outros, olhos arregalados. Aos poucos o mar foi acalmando, e a chance de sobrevida aumentando. Voltamos a falar.

Finalmente chegamos ao destino, praia de Aventureiro. Como o barco não conseguia se aproximar muito da areia, tive que arremessar a barraca, que agora pesava dois corpos, por conta da chuva. Obviamente não obtive êxito e acabei por submergir nossa casa. Já as mochilas, Dentinho conseguiu levar até a areia numa boa.

Andamos molhados e cansados até o camping, que ficava atrás e uma modesta igrejinha. Para chegarmos lá, precisamos atravessar uma ponte sobre um rio com as margens repletas de bambus secos e pontiagudos, parecia armadilha inca. Sinistrão.

Escolhemos um canto para armar a barraca. O peso justificava o tamanho, era ma cabana exageradamente grande. E a quantidade de ferro? Puta merda.

Terminei de prender a última lona. Legal. Arrumei a mala, liguei o walkman nas caixinhas e pude sentir o Sol voltar a brilhar lá dentro da barraca sob o som dos Secos e Molhados. Nessa hora, abri o zíper da porta e enfiei a cabeça pra fora, e inspirando aquele ar puro, falei:
-Puta merda, o dia estava que nem a banda. Mas agora tá lindão. Que dia!

Quando acabei de falar, veio um mosquito do tamanho de um pardal e picou meu olho direito, que, em 5 segundos ficou parecendo que tinha um implante de bola de golfe na pálpebra. Pergunta se doía?

Dentinho se virou pra mim e berrou: -CARALHO!!! O quê houve com teu olho? UAAAAHHH!!! Tá igual ao Amaral! Vai pegar ninguém!!!
Porra, Amarola pegava aquela japa gostosa. Tinha esperança, mas que tava bizarro, tava. Resolvi apertar um pra esquecer.

-Aí Dentinho, vamos torrar unzito?
-Belê, mas vamos sentar lá na areia? Falou Dentinho já andando na frente.
Chegamos na areia e fomos para o canto esquerdo, perto do início da mata. Sentamos e começamos a carburar contemplando o visual. Ilha Grande é foda.

Olhei em volta e vi mais grupos sentados torrando um. Ali percebi que se, as pessoas se confraternizassem mais, o mundo seria bem melhor. Todos estavam rindo e discutindo diversos assuntos e rolava uma energia boa movida pela brisa. Estava amarradão, mesmo com um olho só.
De repente, sai um cara de dentro da mata. Era um gordo quarentão, com bigode e cabelos brancos, chapéu Panamá, bermuda branca e uma camisa florida vermelha, tipo Magnum. Um clássico clichê de turista, e falou:
-Aí, escondam as drogas que a polícia vai dar uma megablitz. E foi andando rápido.
-Molusco? Eu doidão ou você também viu o Magnum gordo? Perguntou Dentinho.
-Não só vi, como ouvi ele falar de uma megablitz aqui na praia.
-Megablitz? Huahuahua. Aqui em Aventureiro? Porra, impossível. Se isso acontecer, é porque o mundo está realmente acabando. Que viagem. Falou Dentinho.

Ouvi um barulho na canhota e quando me virei vi uns vinte policiais saindo da mata. Eu tinha acabado de dar uma megaultraninjacarburada, e literalmente e sem saber explicar como, engoli a fumaça. Dentinho enterrou o cigarro, ainda acesso e fez um leve X pra marcar a posição. Chegaram os porcos.

-Documento? Falou um gordo marrento.
-Aqui. Mostrei a identidade. Ainda estava exalando um pouco de fumaça, parecia um dragão.
-Cadê o bagulho? Fez pressão o policial em cima de Dentinho.
-Acabou de acabar, não posso mentir para o senhor. Falou Dentinho.
-O que é isso no teu olho? Tá feião! Debochou o soldado Elias-pela-saco.
Pensei: -É o rabo da sua mãe.
Falei: -Mosquito me pegou.

Os caras revistaram a gente e não acharam nada. Outros porcos enquadravam outros grupos. Uns subiram até as barracas com os donos, olharam várias barracas. Tinha gente gritando, gente correndo, um show de horror. Eis que surge um bote motorizado da polícia e atraca bem perto da areia. Algumas pessoas foram levadas, possivelmente irão para delegacia de Angra. A paz reinou até a chegada da ordem. Quem inventou isso?

Aos poucos os policiais foram sumindo, fiquei deprimido. Fui até o X e desenterrei nosso tesouro. Reacendi o baseado e socializei com Dentinho. Senti falta dos grupos rindo e filosofando. Merda de mundo careta. Voltei para o camping.

Paguei um banhão e Dentinho também. O camping oferecia um belo chuveiro de água fria. Estávamos prontos para o ataque, se bem que com esse olho...
-Aí Dentola, tá muito escroto meu olho?
-Quer ouvir o quê? Perguntou Dentinho.
-Ok. Respondi sabendo a resposta.

O dia já era noite e fomos caminhando pela areia, Dentinho falou que mais à frente tinha uma lona com cervejas e mulheres.
-Acende lanterna aí Molusco. Falou Dentinho.
-Serve uma tocha? Lanterna não tem. Estava ficando muito escuro.
-Serve. Respondeu Dentinho.

Acendi um braço gigante e perguntei para Dentinho:
-Falta muito, papai smurf? Passei o braço pra ele.
-Falta, meu filho. Respondeu e carburou como um Opala velho.

Andamos na areia no meio da escuridão, seguindo uma luz lá longe. Andamos uns 10 minutos. Não estava sentindo nada.
-Fallltaaaa mmmuuuuito, papaiiii smmmuuurf? Passei a pontinha ele.
-Falllllta, mmmeeeu filho. Respondeu tossindo, e vuuuuuuuusshhhhhh, acabou.
-Morreu. Falou Dentinho.
-Éhh. Falei.

Eis que sinto os pés molhados. Opa, era o mar. Caralho, a luzinha que seguíamos a não sei quanto tempo era a porra de um barco lá na casa do caralho. Putz, fiquei confuso.
-Dentinho, a gente tá seguindo um barco.
-Olha o trailler aqui, maluco. Falou.

Quando me virei tinha simplesmente um trailler com uma mesa de sinuca, sonzinho e uns machos bebendo. Como não vi essa porra toda? Foda-se.

Cheguei pro cara do bar e pedi:
-Me vê uma Skol mais gelada do mundo.
-Só tem schin e tá meio quente.
Como assim? Andei esse tempo todo com o olho doendo pro cara não ter uma breja decente? Que foda.
-Tem capirinha?
–Não.
–Tem cachaça?
–Não.
– Tem o quê então?
– Tem rum Montilla.

Olhei para o rótulo e vi aquele maldito pirata com seu papagaio no ombro. Imediatamente deu um déjà-vu, vi eu e Testão tomando uma garrafa inteira na beira da piscina. Estranho.

-Me vê essa merda com Coca-Cola e gelo.
-Não tem Coca-Cola.
Como assim não tem Coca-Cola? Se tem Coca-Cola em Cuba, tem que ter aqui.
-Tem Baré Cola, vai querer?
-Vou.
-Mas não tem gelo. Falou o cara.
-Tá gelado?
-Tá igual a cerveja. Falou.
-Então me vê a cerveja e dois copos.

Peguei e fui até Dentinho, que estava apoiado numa coluna de madeira. Dei o copo de geléia e servi a gente. Dentinho berrou:
-Porra Molusco, Schin é foda!
-Humhum.
-E tá quente. Ficou maluco?
Ri.

Olhei pra areia e vi alguns machos disputando o posto alfa. Dois estavam embolados na areia, meio que lutando jiu-jitsu. Um era estilo marombado idiota e o outro era meio gordo, cara de surfista esporádico. O resto, uns cinco ou seis em volta, gritavam e falavam o que os lutadores deveriam fazer. Rolava uma aposta, eu acho. Já estavam ralados da areia.

Depois de duas cervejas, chega a primeira fêmea. Muito mais ou menos por sinal, loira com cara de desgastada, meio magra, feinha, mas era a única peça. Pelo visto essa noite vai ser maior furada. Olhei de novo pra guria, e Dentinho já estava colado trocando idéia com a boca cheia de dentes. E eu com esse olho me matando e queimando meu filme. Resolvi voltar.

-Dentola, vou voltar. Falei. Dentinho estava no maior papo com a estranha.
-Beleza, vou marcar um tempo aqui. Falou rindo.

A volta estava ainda mais escura, ainda mais caolho. De repente começou a chover. Que sorte a minha, pensei. Andei, andei, andei e dá-lhe chuva. Andei, andei e perguntei pra mim mesmo:
-Falta muito papai Smurf? Ri e logo depois me senti um idiota. Andei e andei.

Reparei na igrejinha no meio da chuva e neblina. Será aqui? Fui andando para os fundos, apressei o passo, desejando uma toalha sequinha. E tava foda de enxergar, apertei mais o passo e..... UAAAAHHHHH, VRRUISSHHH. Cai na armadilha Inca. Era aqui mesmo.

O que é um peido para quem já está cagado? Me ralei um pouco e dei sorte de não enfiar um bambu na barriga. Imagina, Dentinho falar lá em casa que morri espetado num bambu. Que merda.

Foi foda sair dali, mas consegui. Resolvi não dar mais um passo enquanto não enxergasse, podia morrer. Esperei, esperei. Até que de lá longe, avistei uma luz. E vinha na minha direção, e dá-lhe chuva.

-Opa, quem vem lá? Perguntei. E uma voz suave respondeu:
-Cíntia. Quem Fala?
-O Guardião do camping. Você pode me dar uma carona na sua lanterna? Pedi.
-Claro, vamos lá, me siga. Falou passando.

Eu não enxergava absolutamente nada e peguei em sua mão. Boa textura. Algo me preocupava, ela não podia ver minha cara-que-escondia-uma-goiaba-dentro-do-olho. Tinha que ficar nas sombras, evitar a lanterna.

-Tá chovendo muito ? Falei qualquer merda pra puxar assunto.
-Muito mesmo, ensopada. Se lamentou.
Dava pra perceber pela silhueta um saião hippie, legal.
-Só mesmo um vinho pra esquentar, não? Mandei.
-Quem dera. Mandou.
-Tem um Sangue de Boi tipo exportação lá na barraca, tá afim? Joguei.
-Demorou. Topou.

Sinal de alerta. TU! TU! TU! Foi muito fácil, algo não me soava bem. Será que Deus depois de um dia de fúria do mar, dos insetos e das nuvens, me recompensaria com uma ninfa perdida no meio do nada, na madruga e ainda fácil fácil? Ahhh... e uma barraca só pra mim? Obrigado Senhor.

Abri o zíper da barraca e falei:
-Primeiro as damas.
-Obrigada.

Arrumei o espaço e sentamos no colchonete. Ela pôs a lanterna entre a gente e desligou. Ufa. Peguei o vinho, o saca-rolha e dois copos descartáveis. Liguei o walkman na caixinha e aumentei baixinho. Cássia Eller fez o fundo.
Servi a gente.

-O quê você faz da vida? Perguntei.
-Faço veterinária na Rural. E você?
-Faço História da Arte.
Uau! Que legal. -Tem um baseado aí?
-C l a r o! E materializei um imediatamente.

Estava tudo muito bom, e isso era um contra-senso. Precisava ver a cara dessa ninfa. Peguei a lanterna como quem não quer nada, acendi e mirei nos cornos dela. Mas ela, tão rápida quanto um bote de cascavel, desviou a luz. E num ato de reação, ela pegou a lanterna de mim, tentou mirar nos meus cornos. Também fui rápido e desviei a tempo. Ela também estava curiosa. Merda.

Tentei o ataque mais uma vez, e se repetiram os fatos. E isso tudo com a tora passando para lá e pra cá. Habilidade.

Até que ela deixou cair aceso em cima do lençol.
-Ihhh, fiz merda. Falou.
Eu me aproximei pra tirar as cinzas, e já fui dando um cheiro naquela pele. Fui subindo pára lascar um beijo quando:
-MOLUSCO! Abre aí porra! Berrou Dentinho.
-Tô com visita. Dá um rolé. Berrei.
-Abre porra. Tá chovendo pra caralho! Berrou.
É verdade. Abri.

Entrou Dentola todo molhado falando:
-Boa nooiiittteee! E se sentou na roda. Pra variar, cheio de dentes.
-Cheguei na hora boa, vinhozinho, blackzinho, qual seu nome? Perguntou Dentola com todas as más intenções. Filho da puta raberador.
-Cíntia, tudo bem? E o seu? O dele eu sei que é Guardião do Camping.
-Me chamo Dentinho, sou amigo desse puto há um século. E aí, rola esse veneno pra cá, estou todo molhado.

Dentinho deu uma carburada que deve ter deslocado o pulmão, pressionou pra caveira e ficou crazy instantaneamente. Um faixa-preta.

Cássia Eller deu a vez para Pink Floyd, que desceu como uma marreta em todos nós, consagrando a chapação e nos teletransportando pra outra dimensão, uau!

Deitei, Cíntia deitou com a cabeça pra outra ponta. Dentinho, meu amigo há um século, acompanhou a direção de Cíntia. Cheiro de rataria. Ok.

Ela imediatamente virou de costas pra mim e de frente para Dentinho, sem falar que eu estava com a cara nos pés dela. Podia ter atacado os pés mesmo, mas sei lá onde ela enfiou essas porras.

Percebi que estava em desvantagem e “flipei” pro lado certo como um golfinho de Miami. Beleza, ela agora só estava de costas pra mim. Dentinho já alisava seu cabelo. Rato.

Segurei na cintura dela e comecei a alisar, ela não reclamou. Sua mão foi pra minha cintura e começou a me alisar também, estava ficando bom. De repente ela vai e aperta a minha bunda com força, legal. Fui alisar o braço dela e, CARALHO, era o braço de Dentinho, cheio de cabelo.

-QUE PORRA É ESSA DENTOLA? TÁ MALUCO? Berrei.
Ele saltou de susto e falou: - Caralho, foi mal mesmo. Achei que fosse ela.
-Olha lá, hein!? Falei meio bolado, sabia que era seqüela. Espero.

A derradeira foi quando Dentinho achou a bunda dela e ela começou a corresponder, estavam se atracando a vera e fiquei de bucha, de fora da brincadeira e ainda por cima ouvindo coisas desnecessárias. Merda de situação. Resolvi me afastar o máximo que pude e dormi no canto, de costas para o acasalamento.

Acordei como um cachorro, me esticando e bocejando. Língua seca e o olho esquerdo, que era o único que funcionava, se abrindo lentamente para contemplar mais um dia nesse mundo estranho. Meu olho não acreditava no que via. Cocei ele pra dar uma enxaguada, e realmente era o que era.

Cíntia, era na verdade, o BARBOSA DE CALCINHA! SIM, O BARBOSA DO TV PIRATA! Caralho, ela era, muito, mas muito feia. Estava fora de esquadro, magrinha, com 2 ml de peitinhos, e um queixo, um queixo que vou falar, um queixo gigantesco, estilo Mandíbula do He-man. Mas senti que rolou um love forte com Dentinho. Eles estava de conchinha, tipo namoradinhos, coisa linda de Deus.

-Psiu! Dentinho, ô Dentinho! Falei baixinho.
-Hmmmm, o que é? Respondeu sonolento.
-Você pode abrir teus olhos um segundinho? Pedi.
-Hã?! O que você tá falando?

Cíntia ou Barbosa, se ajeitou com o barulho e ficou de frente pra Dentinho.
-Agora Dentinho, abre teus olhos e veja que coisa linda, parabéns velhão.

Dentinho abriu os olhos já arregalando com o que viu, fez uma cara de espanto muito verdadeira, mas não emitiu um som, um Lorde.

No mesmo instante, Barbosa também abriu os olhos, deu um sorriso com sua mega mandíbula e um beijinho de bom-dia. Dentinho estava apavorado.

-Bom dia gente. Vou ali pegar um café com leite. Falei.
-Eu vou com você. Tentou escapar Dentola. Ninja.
-Que isso? Namorem mais um pouquinho. Eu trago um lanchinho pra vocês. Você gosta de café-com-leite, Cíntia?
-Gosto sim. Respondeu.
-Então, eu trago pros dois. Agora aproveitem essa manhã bonita. Fui.
-Boa idéia. Vem cá Dentinho. Falou cheia de intimidades. Pobre Dentola.

Conforme ia abaixando o zíper, ia percebendo o olhar de desespero agudo de Dentinho, parecia que estava soltando ele num abismo. Legal.

Fui até o trailler e pedi um café-com-leite. No radinho da birosca, tocava The Sundays cantando wild horse dos Stones. Pensei:
-Porra, nunca ouvi essa música numa FM lá no Rio. Que foda! Esse lugar é mágico mesmo, tem de Sundays à Barbosa.

Mexi meu café com calma, alisei minha bola de golfe, olhei para o mar com um olho só e dei uma golada.

O dia estava lindo e o café estava frio.

Isso resumia tudo.

FIM