quarta-feira, 6 de maio de 2009

AVENTUREIROS

Demorei um pouco, mas finalmente achei uma posição legal pra ler meu Huxley. Curto estes rituais para executar coisas prazerosas. Pernas devidamente cruzadas, um tapa pra abrir as portas da minha percepção, um copo de coca com gelo até a boca e um almofadão criando a lordose certa na minha coluna, quero morrer assim. Estava devorando as páginas, quando o interfone tocou. Daqui não saio, pensei. E o interfone tocou mais e mais, e ninguém atendeu. Será que todos saíram? Merda, me levantei sabendo que nunca mais conseguiria aquela posição novamente.

Peguei no fone:
-Quem é?
-VA-GA-BUN-DO. Falou o inconfundível Dentinho.
-Fala Dentinho, peraí.
Fui até o portão. Abri e ele estava com aquele sorriso de 32 dentes, como sempre.
-Vamos pra Ilha Grande, pega sua mala. Falou rindo.
Caralho, Ilha Grande era a última coisa que passava pela minha cabeça, tinha que pensar em uma desculpa rápida, mandei:
-Porra Dentinho, Ilha Grande porra nenhuma, vai chover. Olhei pro céu e apontei pra meia dúzia de nuvens poluídas.
-Tu tá maluco! Vambora porra. Mulheres, bagulhinho, breja, arrumei uma barraca responsa, vambora!

Opa, ele estava quase me convencendo, mas tentei de novo: - sem grana Dentinho.

-Grana pra quê? A gente fica na barraca, meu pai leva a gente até Bangu e lá a gente pega um bumba. Vai gastar merreca. Daqui a 30 minutos passo aqui pra te pegar. Mulherada Molusco, mulherada. mais.

Ok, ele me convenceu: -Vou arrumar minhas coisas, mais.

Joguei duas camisas surradas, duas bermudas, um par de chinelos velhos, sabonete phebo, quadriderm pra cuidar das mirrancas, shampoo 2 em 1, escova e pasta de dentes. Mala pronta, opa, faltou o Huxley que estava lendo. Hmmm, faltou também um walkman com caixinhas pra rolar uma festinha na barraca. Se bem que festinha sem vinho não dá. Agarrei um sangue de boá tinto suave. Agora sim, mala pronta.

Dentinho buzinou como um louco e partimos rumo a Bangu. Reparei que Dentinho também tinha uma mochila lotada de coisas, mas não vi barraca. Estranho.

Quando saímos do carro, pai de Dentinho abriu a mala da fuca e vi um saco de lona, com algo semelhante a um corpo dentro.

-Dentinho, vais esquecer a barraca. Falou rindo, tal pai, tal filho.
-É mesmo, hahaha, imagina. Me ajuda aqui Molusco.
-Tá de sacanagem que a barraca é isso aí? Tem um defunto aí dentro.

Comecei a puxar da mala, e era mesmo o peso de uma pessoa, que merda de barraca.
-Porra dentinho, era mais fácil a gente levar tijolos e cimento e fazer uma casa lá. Falei puto.
-Deixa de ser bicha, vamos fazer o seguinte, você prefere levar ou trazer? Perguntou Dentinho.
Não sei porque não sugeri que dividíssemos o peso, dei mole.
-Prefiro levar. Assim você se fode na volta.
-Tudo bem. Toma que o filho é teu.

Filho gordo. Estava arrastando aquela merda, mas pelo menos o tempo estava lindo, o fim de semana prometia de fato. Dentinho mandou bem.

Pegamos um ônibus que ia até Angra dos Reis, já estava cheio quando entramos. A barraca ocupava o espaço de uma pessoa de pé, engraçado. Quando chegou em Campo Grande o ônibus contrariou a lei da física que dois corpos não ocupam o mesmo lugar ao mesmo tempo. Era simplesmente o ônibus mais cheio que vi em toda vida, meus pés não tocavam mais o chão, via apenas cotovelos, bonés, enxadas, bocas com dentes intercalados, tinha um leitão berrando ao norte do ônibus. Filme de terror. Algumas horas depois chegamos a Angra. Saí do bumba totalmente suado e fedendo, arrastei a barraca como o pagador de promessas e compramos duas passagens de traineira. Estávamos próximos do paraíso. E o Sol lá, nos acompanhando.

Depois de uns vinte minutos chegou a tal embarcação que nos levaria ao paraíso. Uma porra de um barco velho pra caralho, com uma cabinezinha pro piloto e mais quatro pessoas, a pintura totalmente ralada e do lado estava escrito “Corajoso”.

-Aí Dentola, na boa, essa porra vai virar. Falei bolado.
-Vai nada, ô o nome ali, Corajoso.
-Isso é o nosso nome se subirmos nessa merda. Falei muito bolado.
- Tá maior bicha hoje hein? Vambora porra. Falou Dentinho pulando no barco.

Pulei também, tinha umas doze pessoas no flutuante, todos na casa dos vinte e poucos anos, uns malucos, uns caretas, umas mulheres mais ou menos, nenhuma gata. Quando nos afastamos uns cem metros, o piloto gritou: -ACENDE PORRA!

Um hippie disfarçado de careta me puxa um baseado gigante em forma de cone e taca fogo. Rodou o barco inteiro como uma tocha olímpica, quando chegou no piloto, ele segurou por algum tempo aí gritaram não sei de onde: -Trabalhou na superbonder piloto? Libera aí!
-Hahahahaha, se ficar reclamando, dou um cavalo-de-pau com essa porra hein? Falou rindo pra caralho.

Chegou finalmente na minha mão. Dei aquela carburada V6 e passei pra Dentinho, que estava com mais dentes que o normal. Ele puxou como um compressor e passou pra frente. É, tinha mais tamanho que força, sou mais o nosso, pequeno e eficiente.

De repente escuto o piloto berrar: -Segura que vem tempestade.
Caralho, impossível crer que há cinco minutos estava um céu lindão. São Pedro com certeza botou um estagiário pra pilotar as alavancas e vazou. Estava tudo negro, o dia virou noite.

Começou a chover muito, uns pingos tipo moedão batia e doía, ok, estava crazy, mas a dor era de verdade. A galera se juntou na cabine, que parecia agora o bumba de Bangu e não sobrou espaço pra gente. Consegui encaixar nossas mochilas no meio da muvucada e roubar uma carburada com o bico molhado, mochilas secas pelo menos.

Ficamos isolados como cães leprosos e totalmente molhados.
-Não falei que ia chover? Disse puto pra Dentinho.
-Chuva de Verão, dacapouco passa. Falou Dentinho, tremendo.

Uma hora depois a chuva estava mais torrencial que nunca. Maldito Dentola, mandou mal.

Ondas gigantes faziam o precário barco ranger e balançar de uma maneira que estava quase me cagando, Dentinho estava petrificado. O piloto doidão estava amarradão com a adrenalina e falava com um sorriso amarelo: -É nós Corajoso, é nós, agüenta firme porra. As pessoas da cabine pareciam zumbis calados e colados uns nos outros, olhos arregalados. Aos poucos o mar foi acalmando, e a chance de sobrevida aumentando. Voltamos a falar.

Finalmente chegamos ao destino, praia de Aventureiro. Como o barco não conseguia se aproximar muito da areia, tive que arremessar a barraca, que agora pesava dois corpos, por conta da chuva. Obviamente não obtive êxito e acabei por submergir nossa casa. Já as mochilas, Dentinho conseguiu levar até a areia numa boa.

Andamos molhados e cansados até o camping, que ficava atrás e uma modesta igrejinha. Para chegarmos lá, precisamos atravessar uma ponte sobre um rio com as margens repletas de bambus secos e pontiagudos, parecia armadilha inca. Sinistrão.

Escolhemos um canto para armar a barraca. O peso justificava o tamanho, era ma cabana exageradamente grande. E a quantidade de ferro? Puta merda.

Terminei de prender a última lona. Legal. Arrumei a mala, liguei o walkman nas caixinhas e pude sentir o Sol voltar a brilhar lá dentro da barraca sob o som dos Secos e Molhados. Nessa hora, abri o zíper da porta e enfiei a cabeça pra fora, e inspirando aquele ar puro, falei:
-Puta merda, o dia estava que nem a banda. Mas agora tá lindão. Que dia!

Quando acabei de falar, veio um mosquito do tamanho de um pardal e picou meu olho direito, que, em 5 segundos ficou parecendo que tinha um implante de bola de golfe na pálpebra. Pergunta se doía?

Dentinho se virou pra mim e berrou: -CARALHO!!! O quê houve com teu olho? UAAAAHHH!!! Tá igual ao Amaral! Vai pegar ninguém!!!
Porra, Amarola pegava aquela japa gostosa. Tinha esperança, mas que tava bizarro, tava. Resolvi apertar um pra esquecer.

-Aí Dentinho, vamos torrar unzito?
-Belê, mas vamos sentar lá na areia? Falou Dentinho já andando na frente.
Chegamos na areia e fomos para o canto esquerdo, perto do início da mata. Sentamos e começamos a carburar contemplando o visual. Ilha Grande é foda.

Olhei em volta e vi mais grupos sentados torrando um. Ali percebi que se, as pessoas se confraternizassem mais, o mundo seria bem melhor. Todos estavam rindo e discutindo diversos assuntos e rolava uma energia boa movida pela brisa. Estava amarradão, mesmo com um olho só.
De repente, sai um cara de dentro da mata. Era um gordo quarentão, com bigode e cabelos brancos, chapéu Panamá, bermuda branca e uma camisa florida vermelha, tipo Magnum. Um clássico clichê de turista, e falou:
-Aí, escondam as drogas que a polícia vai dar uma megablitz. E foi andando rápido.
-Molusco? Eu doidão ou você também viu o Magnum gordo? Perguntou Dentinho.
-Não só vi, como ouvi ele falar de uma megablitz aqui na praia.
-Megablitz? Huahuahua. Aqui em Aventureiro? Porra, impossível. Se isso acontecer, é porque o mundo está realmente acabando. Que viagem. Falou Dentinho.

Ouvi um barulho na canhota e quando me virei vi uns vinte policiais saindo da mata. Eu tinha acabado de dar uma megaultraninjacarburada, e literalmente e sem saber explicar como, engoli a fumaça. Dentinho enterrou o cigarro, ainda acesso e fez um leve X pra marcar a posição. Chegaram os porcos.

-Documento? Falou um gordo marrento.
-Aqui. Mostrei a identidade. Ainda estava exalando um pouco de fumaça, parecia um dragão.
-Cadê o bagulho? Fez pressão o policial em cima de Dentinho.
-Acabou de acabar, não posso mentir para o senhor. Falou Dentinho.
-O que é isso no teu olho? Tá feião! Debochou o soldado Elias-pela-saco.
Pensei: -É o rabo da sua mãe.
Falei: -Mosquito me pegou.

Os caras revistaram a gente e não acharam nada. Outros porcos enquadravam outros grupos. Uns subiram até as barracas com os donos, olharam várias barracas. Tinha gente gritando, gente correndo, um show de horror. Eis que surge um bote motorizado da polícia e atraca bem perto da areia. Algumas pessoas foram levadas, possivelmente irão para delegacia de Angra. A paz reinou até a chegada da ordem. Quem inventou isso?

Aos poucos os policiais foram sumindo, fiquei deprimido. Fui até o X e desenterrei nosso tesouro. Reacendi o baseado e socializei com Dentinho. Senti falta dos grupos rindo e filosofando. Merda de mundo careta. Voltei para o camping.

Paguei um banhão e Dentinho também. O camping oferecia um belo chuveiro de água fria. Estávamos prontos para o ataque, se bem que com esse olho...
-Aí Dentola, tá muito escroto meu olho?
-Quer ouvir o quê? Perguntou Dentinho.
-Ok. Respondi sabendo a resposta.

O dia já era noite e fomos caminhando pela areia, Dentinho falou que mais à frente tinha uma lona com cervejas e mulheres.
-Acende lanterna aí Molusco. Falou Dentinho.
-Serve uma tocha? Lanterna não tem. Estava ficando muito escuro.
-Serve. Respondeu Dentinho.

Acendi um braço gigante e perguntei para Dentinho:
-Falta muito, papai smurf? Passei o braço pra ele.
-Falta, meu filho. Respondeu e carburou como um Opala velho.

Andamos na areia no meio da escuridão, seguindo uma luz lá longe. Andamos uns 10 minutos. Não estava sentindo nada.
-Fallltaaaa mmmuuuuito, papaiiii smmmuuurf? Passei a pontinha ele.
-Falllllta, mmmeeeu filho. Respondeu tossindo, e vuuuuuuuusshhhhhh, acabou.
-Morreu. Falou Dentinho.
-Éhh. Falei.

Eis que sinto os pés molhados. Opa, era o mar. Caralho, a luzinha que seguíamos a não sei quanto tempo era a porra de um barco lá na casa do caralho. Putz, fiquei confuso.
-Dentinho, a gente tá seguindo um barco.
-Olha o trailler aqui, maluco. Falou.

Quando me virei tinha simplesmente um trailler com uma mesa de sinuca, sonzinho e uns machos bebendo. Como não vi essa porra toda? Foda-se.

Cheguei pro cara do bar e pedi:
-Me vê uma Skol mais gelada do mundo.
-Só tem schin e tá meio quente.
Como assim? Andei esse tempo todo com o olho doendo pro cara não ter uma breja decente? Que foda.
-Tem capirinha?
–Não.
–Tem cachaça?
–Não.
– Tem o quê então?
– Tem rum Montilla.

Olhei para o rótulo e vi aquele maldito pirata com seu papagaio no ombro. Imediatamente deu um déjà-vu, vi eu e Testão tomando uma garrafa inteira na beira da piscina. Estranho.

-Me vê essa merda com Coca-Cola e gelo.
-Não tem Coca-Cola.
Como assim não tem Coca-Cola? Se tem Coca-Cola em Cuba, tem que ter aqui.
-Tem Baré Cola, vai querer?
-Vou.
-Mas não tem gelo. Falou o cara.
-Tá gelado?
-Tá igual a cerveja. Falou.
-Então me vê a cerveja e dois copos.

Peguei e fui até Dentinho, que estava apoiado numa coluna de madeira. Dei o copo de geléia e servi a gente. Dentinho berrou:
-Porra Molusco, Schin é foda!
-Humhum.
-E tá quente. Ficou maluco?
Ri.

Olhei pra areia e vi alguns machos disputando o posto alfa. Dois estavam embolados na areia, meio que lutando jiu-jitsu. Um era estilo marombado idiota e o outro era meio gordo, cara de surfista esporádico. O resto, uns cinco ou seis em volta, gritavam e falavam o que os lutadores deveriam fazer. Rolava uma aposta, eu acho. Já estavam ralados da areia.

Depois de duas cervejas, chega a primeira fêmea. Muito mais ou menos por sinal, loira com cara de desgastada, meio magra, feinha, mas era a única peça. Pelo visto essa noite vai ser maior furada. Olhei de novo pra guria, e Dentinho já estava colado trocando idéia com a boca cheia de dentes. E eu com esse olho me matando e queimando meu filme. Resolvi voltar.

-Dentola, vou voltar. Falei. Dentinho estava no maior papo com a estranha.
-Beleza, vou marcar um tempo aqui. Falou rindo.

A volta estava ainda mais escura, ainda mais caolho. De repente começou a chover. Que sorte a minha, pensei. Andei, andei, andei e dá-lhe chuva. Andei, andei e perguntei pra mim mesmo:
-Falta muito papai Smurf? Ri e logo depois me senti um idiota. Andei e andei.

Reparei na igrejinha no meio da chuva e neblina. Será aqui? Fui andando para os fundos, apressei o passo, desejando uma toalha sequinha. E tava foda de enxergar, apertei mais o passo e..... UAAAAHHHHH, VRRUISSHHH. Cai na armadilha Inca. Era aqui mesmo.

O que é um peido para quem já está cagado? Me ralei um pouco e dei sorte de não enfiar um bambu na barriga. Imagina, Dentinho falar lá em casa que morri espetado num bambu. Que merda.

Foi foda sair dali, mas consegui. Resolvi não dar mais um passo enquanto não enxergasse, podia morrer. Esperei, esperei. Até que de lá longe, avistei uma luz. E vinha na minha direção, e dá-lhe chuva.

-Opa, quem vem lá? Perguntei. E uma voz suave respondeu:
-Cíntia. Quem Fala?
-O Guardião do camping. Você pode me dar uma carona na sua lanterna? Pedi.
-Claro, vamos lá, me siga. Falou passando.

Eu não enxergava absolutamente nada e peguei em sua mão. Boa textura. Algo me preocupava, ela não podia ver minha cara-que-escondia-uma-goiaba-dentro-do-olho. Tinha que ficar nas sombras, evitar a lanterna.

-Tá chovendo muito ? Falei qualquer merda pra puxar assunto.
-Muito mesmo, ensopada. Se lamentou.
Dava pra perceber pela silhueta um saião hippie, legal.
-Só mesmo um vinho pra esquentar, não? Mandei.
-Quem dera. Mandou.
-Tem um Sangue de Boi tipo exportação lá na barraca, tá afim? Joguei.
-Demorou. Topou.

Sinal de alerta. TU! TU! TU! Foi muito fácil, algo não me soava bem. Será que Deus depois de um dia de fúria do mar, dos insetos e das nuvens, me recompensaria com uma ninfa perdida no meio do nada, na madruga e ainda fácil fácil? Ahhh... e uma barraca só pra mim? Obrigado Senhor.

Abri o zíper da barraca e falei:
-Primeiro as damas.
-Obrigada.

Arrumei o espaço e sentamos no colchonete. Ela pôs a lanterna entre a gente e desligou. Ufa. Peguei o vinho, o saca-rolha e dois copos descartáveis. Liguei o walkman na caixinha e aumentei baixinho. Cássia Eller fez o fundo.
Servi a gente.

-O quê você faz da vida? Perguntei.
-Faço veterinária na Rural. E você?
-Faço História da Arte.
Uau! Que legal. -Tem um baseado aí?
-C l a r o! E materializei um imediatamente.

Estava tudo muito bom, e isso era um contra-senso. Precisava ver a cara dessa ninfa. Peguei a lanterna como quem não quer nada, acendi e mirei nos cornos dela. Mas ela, tão rápida quanto um bote de cascavel, desviou a luz. E num ato de reação, ela pegou a lanterna de mim, tentou mirar nos meus cornos. Também fui rápido e desviei a tempo. Ela também estava curiosa. Merda.

Tentei o ataque mais uma vez, e se repetiram os fatos. E isso tudo com a tora passando para lá e pra cá. Habilidade.

Até que ela deixou cair aceso em cima do lençol.
-Ihhh, fiz merda. Falou.
Eu me aproximei pra tirar as cinzas, e já fui dando um cheiro naquela pele. Fui subindo pára lascar um beijo quando:
-MOLUSCO! Abre aí porra! Berrou Dentinho.
-Tô com visita. Dá um rolé. Berrei.
-Abre porra. Tá chovendo pra caralho! Berrou.
É verdade. Abri.

Entrou Dentola todo molhado falando:
-Boa nooiiittteee! E se sentou na roda. Pra variar, cheio de dentes.
-Cheguei na hora boa, vinhozinho, blackzinho, qual seu nome? Perguntou Dentola com todas as más intenções. Filho da puta raberador.
-Cíntia, tudo bem? E o seu? O dele eu sei que é Guardião do Camping.
-Me chamo Dentinho, sou amigo desse puto há um século. E aí, rola esse veneno pra cá, estou todo molhado.

Dentinho deu uma carburada que deve ter deslocado o pulmão, pressionou pra caveira e ficou crazy instantaneamente. Um faixa-preta.

Cássia Eller deu a vez para Pink Floyd, que desceu como uma marreta em todos nós, consagrando a chapação e nos teletransportando pra outra dimensão, uau!

Deitei, Cíntia deitou com a cabeça pra outra ponta. Dentinho, meu amigo há um século, acompanhou a direção de Cíntia. Cheiro de rataria. Ok.

Ela imediatamente virou de costas pra mim e de frente para Dentinho, sem falar que eu estava com a cara nos pés dela. Podia ter atacado os pés mesmo, mas sei lá onde ela enfiou essas porras.

Percebi que estava em desvantagem e “flipei” pro lado certo como um golfinho de Miami. Beleza, ela agora só estava de costas pra mim. Dentinho já alisava seu cabelo. Rato.

Segurei na cintura dela e comecei a alisar, ela não reclamou. Sua mão foi pra minha cintura e começou a me alisar também, estava ficando bom. De repente ela vai e aperta a minha bunda com força, legal. Fui alisar o braço dela e, CARALHO, era o braço de Dentinho, cheio de cabelo.

-QUE PORRA É ESSA DENTOLA? TÁ MALUCO? Berrei.
Ele saltou de susto e falou: - Caralho, foi mal mesmo. Achei que fosse ela.
-Olha lá, hein!? Falei meio bolado, sabia que era seqüela. Espero.

A derradeira foi quando Dentinho achou a bunda dela e ela começou a corresponder, estavam se atracando a vera e fiquei de bucha, de fora da brincadeira e ainda por cima ouvindo coisas desnecessárias. Merda de situação. Resolvi me afastar o máximo que pude e dormi no canto, de costas para o acasalamento.

Acordei como um cachorro, me esticando e bocejando. Língua seca e o olho esquerdo, que era o único que funcionava, se abrindo lentamente para contemplar mais um dia nesse mundo estranho. Meu olho não acreditava no que via. Cocei ele pra dar uma enxaguada, e realmente era o que era.

Cíntia, era na verdade, o BARBOSA DE CALCINHA! SIM, O BARBOSA DO TV PIRATA! Caralho, ela era, muito, mas muito feia. Estava fora de esquadro, magrinha, com 2 ml de peitinhos, e um queixo, um queixo que vou falar, um queixo gigantesco, estilo Mandíbula do He-man. Mas senti que rolou um love forte com Dentinho. Eles estava de conchinha, tipo namoradinhos, coisa linda de Deus.

-Psiu! Dentinho, ô Dentinho! Falei baixinho.
-Hmmmm, o que é? Respondeu sonolento.
-Você pode abrir teus olhos um segundinho? Pedi.
-Hã?! O que você tá falando?

Cíntia ou Barbosa, se ajeitou com o barulho e ficou de frente pra Dentinho.
-Agora Dentinho, abre teus olhos e veja que coisa linda, parabéns velhão.

Dentinho abriu os olhos já arregalando com o que viu, fez uma cara de espanto muito verdadeira, mas não emitiu um som, um Lorde.

No mesmo instante, Barbosa também abriu os olhos, deu um sorriso com sua mega mandíbula e um beijinho de bom-dia. Dentinho estava apavorado.

-Bom dia gente. Vou ali pegar um café com leite. Falei.
-Eu vou com você. Tentou escapar Dentola. Ninja.
-Que isso? Namorem mais um pouquinho. Eu trago um lanchinho pra vocês. Você gosta de café-com-leite, Cíntia?
-Gosto sim. Respondeu.
-Então, eu trago pros dois. Agora aproveitem essa manhã bonita. Fui.
-Boa idéia. Vem cá Dentinho. Falou cheia de intimidades. Pobre Dentola.

Conforme ia abaixando o zíper, ia percebendo o olhar de desespero agudo de Dentinho, parecia que estava soltando ele num abismo. Legal.

Fui até o trailler e pedi um café-com-leite. No radinho da birosca, tocava The Sundays cantando wild horse dos Stones. Pensei:
-Porra, nunca ouvi essa música numa FM lá no Rio. Que foda! Esse lugar é mágico mesmo, tem de Sundays à Barbosa.

Mexi meu café com calma, alisei minha bola de golfe, olhei para o mar com um olho só e dei uma golada.

O dia estava lindo e o café estava frio.

Isso resumia tudo.

FIM

sexta-feira, 24 de abril de 2009

O EXORCISMO DE CARLINHO SATÃ


Aquele sábado de sol prometia uma noite brilhante. Carlinho Satã tinha descolado duas gatas (segundo ele) pra gente se divertir um bocado e eu aproveitara aquela tarde de junho para dar um trato no porcomóvel. Quanto mais esfregava, mais percebia que cada um tem o calhambeque que merece. Já suava como uma capivara, mas no fim tudo valeria a pena, eu acho.

-Porra, tu tem que ver a Leandra, é maior filé. Se pronunciava Carlinho. –Nem faço questão de pegar, até porque tem a Karen, que quebra a firma geral.

Eu conhecia aquele imundo, e sabia que estava deixando claro que o lance dele era a Karen, que devia ser bemmm melhor que a outra, como eu não conhecia nem uma, nem outra, estava pouco me fodendo, queria apenas diversão. E ele lá de pé, me olhando e falando com aquela voz de pato rouco, enquanto eu esfregava a caranga mais vezes que o Daniel San.

As oito já estava arrumado e fui pegar o Carlinho. A gente de fato não faz muito o estilo “modelo de beleza” que a TV vomita na galera. Carlinho estava uns dez quilos acima do peso, tinha o cabelo gigante enrolado e olhos foscos, usava uma calça jeans surrada muita coisa, uma camisa de listras da Mesbla e um tênis de educação física cagado de lama. Eu também estava acima do peso, branco como um leitão cabeludo e vestia uma calça cinza feia demais, sem cueca, uma camisa do Dinosaur Jr com uns furos no suvaco e um tênis todo cheio de silvertape pra não desmontar. Estávamos devidamente perfumados e com pouco dinheiro pra variar, viva o limite do mastercard. Saímos confiantes.

As mulheres moravam na Mallet, mais precisamente em um prédio amarelo grande, em frente a uma praça mal iluminada, com bancos quebrados, mato alto e alguns bêbados fedorentos jogados pelos cantos. Parei a caranga embaixo de uma árvore, agora era só esperar. Marcamos às 9 horas.

Pude observar nesse tempo, algumas pessoas que passavam pelo carro. Vi um velho curvado que falava sozinho, uma grávida de uns 13 anos vestindo uma roupa para 8 anos e um moleque soltando pipa no escuro. Tinha também um coroa com uma gaiola coberta por um pano branco. As pessoas se tornam zumbis em algum momento da vida, espero não passar por isto.

Às nove em ponto, surgem duas mulheres vindo na direção do carro. –Ó elas aí! Fala Carlinho animado.
Uma mancava e outra parecia mais esférica que o próprio Carlinho. Tomara que a Leandra seja a manca, pensei. Tinha um bolação com as gorditas. Meu amigo Dentinho me contou uma vez, sobre um ataque que sofreu no morro da Sulacap, uma gorda enfiou ele dentro dela a força. Pobre Dentinho.

As mulheres passaram por nós e seguiram seus rumos, não eram elas. Carlinho testava seu humor negro em mim. Ufa, ainda bem.

Vinte minutos depois, surgem duas mulheres na contra-luz do prédio, se apresentavam com silhuetas bastante interessantes e se aproximaram. Carlinho tinha finalmente acertado a mão, eram pós-ninfetas com seus vinte e poucos anos. Conheci então a sorridente Leandra, com seus cabelos escuros enrolados, aluna de educação física, peso certo com gordura certa e um dente quebrado na quina, dando um charme ou pala que precisava consertar, não sei ao certo. Vestia uma calça jeans abaixo da cintura, uma sandália riponga e uma camiseta branca que denunciava a falta de sutiã. Curti. Já a Karen era A mulher de bandido. Vestia uma calça branca enfiada no rabo, com suas picanhas saltando por cima da cintura, um cinto preto e dourado, uns brincos de argola também dourados, uma blusa preta com um nó. Tinha peitos grandes e cabelos amarelos, maquiagem exagerada e uma cara de burra escandalosa que gostava de apanhar. Carlinho curtiu.

Sentaram Carlinho e Karen no banco de trás, eu e Leandra na frente. Antes de virar a chave, perguntei: -e aí, pra onde vamos?
-VAMOS METER PORRA! Berrou Carlinho, como um babuíno ensandecido.-Vamos prum teltel!

A arte de me constranger. Bicho maluco, como ele fala assim desse jeito. Tinha apenas me apresentado, não trocara nem uma palavra ainda. Carlinho ia foder com tudo, isso sim, que merda.

-Demorou! Falou Karen. –Se não for no Taba, tudo bem.
Caralho, o mundo acabou. Pensei. Mas também com esse estilo, não esperava ouvir outra coisa. Mas o Taba era uma merda mesmo, a última vez que fui lá, não dava pra abrir a porta do quarto, porque tinham dado um jato na maçaneta. Merda de motel.

-É, no Taba é caído, lá eu tô fora. Rebateu Leandra.
Caralho, o mundo acabou de verdade, me senti um puritano careta recém saído do monastério. Então contribuí: -Vamos pra rua dos motéis, lá na Barra?
-Vamos! Berrou um coro. Partimos alegres.

Passamos em um AM/PM da vida e pegamos umas longnecks pra ir mamando no caminho. Quando o som começou a rolar, fui duramante repreendido pela Karen, que segurava a garrafa com a mão direita e o pau de Carlinho com a conhota.

-Que merda de música, chata pra caralho! Põe algo bom aí Molusco.
-Eu gosto. Por mim, qualquer coisa agrada, desde que não seja funk. Falou Leandra ganhando pontos comigo.
-Fala sério Leandra, parece música de velho. Desdenhou Karen.

Bem, desde de que ouvi pela primeira vez, sempre tive certeza da qualidade do Cure, que agora foi resumido como merda de música. Pictures of you uma merda de música? O quê aquela vaca punheteira estava falando? Música de velho é foda! Troquei a fita pra algo mais porrada e fui esculhambado de novo.

-Tá maluco Molusco, essa merda não dá pra dançar.
Tá de sacanagem, eu danço Nirvana até vestindo um escafandro. Porque ela não mete o pau na boca e fica quieta. Mas ela não parava de falar.
-Então diz aí, o quê você quer ouvir? E você, Leandra? Perguntei.
-Ah, qualquer coisa, desde que não seja funk. Falou perdendo pontos comigo.
-Mete um Só pra contrariar. Falou Karen.
-Hahahahahaha, só pra te contrariar não vai rolar. No dia que eu ouvir essa merda, você pode me dar um tiro nos cornos. Coloquei um Raimundos pra me acalmar, ela ouviu e gostou. Idiota.

Parei o carro antes da rua do motel, Carlinho e Karen se jogaram na mala. Queríamos pagar um quarto e beber o outro. Conseguia falar com Carlinho através do buraco do twitter que nunca existiu.

-Molusco, tá me ouvindo? Anda que aqui tá foda.
-Guenta aí maluco, relaxa. Falei virando o carro no primeiro motel, que estava lotado. -Tá tudo lotado Carlinho.
-Aí Molusco, achei uma garrafa de vinho, tava malocando né? Falou Carlinho pelo buraco.

Vinho, que vinho? Que porra de vinho que o Carlinho achou? CARALHO, não pode ser! Será o vinho de quando fui pro Sana com Marrisso? Essa merda deve estar uns 10 meses na mala.

-Satã, não bebe essa porra não, isso tá podre! Falei.
-Podre tá teu rabo! Tem até uns sanduíches. Tava escondendo rango? Maior vacilo!
MINHA NOSSA SENHORA! Os sanduíche de patê também da viagem do Sana.
-Carlinho, para de comer essa merda! Berrei.
-Tá gostosão, com esse vinho então... Mandou.

Eu apenas via seus lábios roxos de vinho saindo pelo buraco e falando cuspindo vários pedaços de plus-vitta. Filme de terror. E nada de motel ainda. Era semana do dia dos namorados e a galera resolveu meter. Carlinho deu uns arrotos e todos riram.

Finalmente depois de 8 motéis lotados, consegui uma vaga no XáXáXá.

-Amigão, me vê um quarto com garagem por favor? Pedi pro recepcionista.
-Boa noite, toma aqui a chave. Segue até o fim, é aquele bem de frente pra cá. Apontou uma longa reta.
-Obrigado. Parti com o carro e reparei pelo retrovisor que o recepcionista não parava de olhar pra mala e coçar o queixo. Porra, o gordo do Carlinho devia estar empinando o carro junto com aquela vaca loira na mala. Vai dar merda, pensei.
Passei pelo primeiro de uma série de quebra-molas, e ouvi algo na mala, um grunido. Porra, o Carlinho já devia tá metendo.
-Porra Zé Cú, vê se não faz barulho aí. Falei.

Passei por outro quebra-molas e de novo um som gutural. Estava estranho.
Entrei na vaga, saltei da caranga e arriei a porta da garagem. Pela fresta entre a porta de metal e a parede, pude ver o recepcionista boladão vir na nossa direção. Fodeu.
Abri a tampa da mala e falei baixinho:
-Aí, vou fechar aqui, se finjam de mortos aí, porque tá vindo o recepcionista com uma cara de que foi enrolado. Bati de novo a mala. Subi com Leandra e marquei 10 minutos num esquenta legal. Resolvi descer pra liberar Carlinho e Karen.

Conforme vou descendo a escada, vou ouvindo uns sons que se transformaram em vozes.
-Eu juro, não sei como fui parar na mala.....
-Ah meu amigo, vê se tenho cara de idiota...
-Não, é que estou muito doido...

Fui enxergando todos de baixo para cima. O recepcionista puto, que enquadrava Carlinho. Este, que já estava fora da mala, e ao lado dele, Karen, totalmente vomitada, com vários pedacinhos de pão espalhados pelo cabelo, rosto e blusa. Puta merda.

-Puta merda Carlinho, o que houve? Perguntei.
-MOluscooooo!!!!! Berra Satã doidão. –Você passou pelo quebra mola, aí não agüentei....Ainda tampei a boca, mas saiu tudo pelo nariz. Foi tudo na palhaça dela. Riu com os olhos pequenos.

O cara muito puto falou:
-Quero que vocês saiam agora porra. Vão embora rápido.
-Deixa ela lavar o cabelo. Pedi.
-Lavar na puta que pariu. Fodam-se vocês tudo.

Entramos na caranga e saímos do XáXáXá sem meter, graças aos gordos na mala.
O cabelo de Karen parecia uma árvore de natal do inferno, fedia como um bode morto. Fomos na praia pra ela lavar o cabelo. Trash total, não sei quem deu essa idéia idiota, e ela voltou com uma palha no lugar do cabelo, coisa horrorosa.

-E agora, o quê faremos? Perguntei.
-Meter porra! Berrou Carlinho com a camisa manchada de vinho.
-Tá maluco? Berrou Karen. Com esse cara eu não meto, ele chamou o Raul em mim.
-Qual é Karen, a gente precisa compensar, me dá um beijo.

Carlinho voltou e pegar a Karen. Porra, achava que nunca veria algo tão inusitado. Um bafo de patê podre com vinagre beijando na boca da Carla Perez bizarra, e prestes a meter, ê mundo legal.

Voltamos para Intendente Magalhães, no caminho Leandra mostrava toda sua desenvoltura manual e Karen estava com algo na boca que a impedia de falar algumas merdas. Resolvemos invadir o Shelton motel, quase bom, quase bonito e quase barato.

-Seguinte, cada um vai pegar um quarto, ok? A gente não pode correr riscos de outra fatalidade. Falei pra galera.
Entrei com a caranga e pedi pro recepcionista: -Boa noite amigo, vê 2 quartos, pode ser sem garagem mesmo.
-Aqui está, 302 e 203.
-Quer qual Carlinho?
-Me vê o 203. Pegou a chave, saltou do carro com a Karen e subiu, parceiro. Estacionei e subi com Leandra.
Quartinho honesto, das antigas. Spots coloridos por baixo da cama redonda, controle dos rádios num painel em aço escovado um banheirinho confortável, valia R$29,90 fácil.
Sintonizei numa goodtimes da vida e Leandra veio dançando do banheiro com um breja na mão e peitos de jujuba no pudim. Me empurrou na cama com o pé e pulou de pé sobre mim. Dançava como uma enguia louca, desabotoando com elegância a calça, que já mostrava uma calcinha de algodão devidamente posicionada para atiçar meus demônios. Rock and roll. Jogou cerveja na minha cara e arrancou minha roupa com fúria. Ok, vamos jogar.
Daí, o telefone do quarto toca. Como assim, o telefone toca? Foda-se o telefone, deve ser engano.
Voltei pro game, que estava quentíssimo. O telefone parou. Ótimo.
A estética feminina é a prova concreta da existência de Deus. Gosto de chafurdar, estava chafurdando. O telefone toca de novo. Merda, como me concentrar assim?
-Melhor atender essa merda. Falei e levantei de pau duro.
-Ahhhh.....Retrucou Leandra.
-Alô!
-PELAMORDEDEUS MOLUSCO, CORRE AQUI, O CARLINHO TÁ MORRENDO!!
-O quê? Como assim? Karen?
-PORRA, QUEM VOCÊ ACHA QUE É? CORRE, ELE TÁ DANDO CHOQUE! CORRE!

Saí descaralhado pelo corredor. Estava enrolado numa toalha. O que houve desta vez?
Cheguei no 203 já entrando direto. Quando vejo, está Karen em um canto do quarto, de pé, enrolada no lençol, com os olhos arregalados chorando e berrando:
-Olha ali Molusco, olha ali, ele tá morrendo!

Caralho, o Carlinho tava deitado nu na cama, seu cabelo estava todo de pé, inclusive os cabelos do braço, ele estava consciente, mas estava grogue, parecia muito louco.
-MOoollllusscccoooo........ Ele agarrou em mim, e eu tô dando choque, ó isso. Aproximou sua mão esquerda no braço direito, e saiu umas fagulhinhas, tipo aquelas fagulhas que saem do click de fogão. Bolei.
-Porra, você tá sentado em algum fio desencapado. Falei. - Levanta o rabo daí.
-Fio desencapado no teu cú. Chega aqui pra ver o choque? Eu quase tostei a Karen. É Ele que tá agarrado em mim. Falou Carlinho se levantando e cambaleando.
-Ele quem maluco?
- Ele! Porra, pega esse travesseiro e bate nas minhas costas pra Ele desgarrar.
-Hã? Como assim?
-Bate porra, bate em minhas costas. Anda logo.

Comecei a bater nas costas do Carlinho, e ele pedindo mais. Porra, já estava largando umas boas porradas, nisso a toalha já tinha caído há muito tempo. De repente passa uma faxineira com um carrinho cheio de vassouras, rodos, essas porras.
-MOLUSCO! Pega uma vassoura ali, anda! Berrou Carlinho.

Fui lá e tomei do carrinho uma senhora vassoura. Mirava nas costas do Carlinho e largavo o braço, parecia jogador de beiseball, ele gritava como um porco com a porra do cabelo em pé. Dei umas 6 porradas quando ele berrou: -Desgarrou porra! Vou pro chuveiro!

-Que chuveiro? Tá louco? Você vai morrer eletrocutado. Gritei nu e cansado.

Olhei para Karen e ela estava em pânico. Olhei para a mulher da faxina e ela estava rindo com sua boca sem dentes. Se a gente trabalhasse limpando merda, sangue e gozo também riria. Corri pra ver o Carlinho no chuveiro. Ele estava desmaiado, mas estava vivo.

Voltei, fechei a porta e perguntei a Karen o que houve. Ela falou chorando:
-Cara, a gente já estava nu, na cama e falei pra ele que fui num pai de santo.
Pensava no porquê dela falar sobre isso naquela hora, mas fiquei na minha.
-hmmm e aí?
-Aí falei que o pai de santo me disse que uma entidade queria falar comigo. Aí o Carlinho virou a pele dos olhos pra cima, assim ó, e falou: -Eu sou a entidade, vou te comer é agora porra! Daí ele começou a me dar choque, foi isso.

Caralho. Não sabia o quê pensar. De repente aparece Carlinho nu, cena estranha por acaso, perguntando o que houve. Simplesmente não lembrava de nada.
Peguei minhas coisas, pagamos e entramos no carro, silêncio sinistro, ameacei pegar a fita Mutantes com Bate Macumba para zoar com a situação, nessa hora me correu um arrepio que foi da nuca até o rabo, desisti da brincadeira.

Voltamos no silêncio e sem comer ninguém.

FIM

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

NAVE E LUA

Quando vi a barraca, não acreditei, era igual a um pandeiro. Marrisso só podia estar me zoando, mas nem estava; esse era o problema.

-Doido! Isso é um pandeiro. Falei preocupado. -Não cabe nem um hamster, imagina nós dois.

-Qual é Moluscão? Vamos ou não vamos? Falou Marrisso rindo.

-Vamos. Mas que é um pandeiro...

Partimos de Sulacity para o Sana. Saímos por volta das 10 e o Sol rachava a moleira.

-Acende um pra refrescar. Pediu Marrisso.

-Já é. Respondi já pegando una punta malocada no hiper-ultra-megadechavator.

Estávamos bem estruturados. Fora o Plus-Vitta com presunto e a Big Coke de vinho palmares, a Fiat Prêmio ainda malocava algumas pontas e uns trocados. Sana, aí vamos nós! No tape Roadstar, Secos e Molhados nos colocava no clima hippie limpinho.

Chegamos depois do almoço. Percebi que o feriado movimentara um pouco a cidade, fomos para o Jamaica. Eu sabia que lá rolava uma tal sopa de leprechau a noite. Deve dar maior onda.

O Jamaica é um camping espaçoso, tem uma área pra fazer fogueira bem no meio do terreno. Uns detalhes rastafáris decoravam o lugar e o fundo musical de rio era bem maneiro.
Chegamos com as mochilas e o pandeiro. Então falei:
-Só quero ver essa barraca-pandeiro montada. Tem que ser ninja pra montar essa porra.

-Pois é Moluscão. Tom sarcástico. -Realmente precisa de muita perícia, olha só! Marrisso jogou o pandeiro-barraca para o alto, que se abriu como um ovo de Pokémon e caiu de pé igual a um gato. A parada era auto-montante. Pourra!

Arrumamos as coisas dentro da barraca, que até pareceu maior e ficamos curtindo o visual do lugar... do caralho.

-E aí Marrisso? Vamos tomar um AC pra climatizar?

-Vambora. Mas vamos naquela pedra. Apontou para uma pedrona.

A tal pedrona devia ter uns 3 metros de altura, era bem redonda e elegante. Ela ficava em frente a uma trilhazinha. Tinha uma textura de ferrugem e grafite. Ótimo canto para virar lagarto.
Subimos como locais na pedra e eu puxei da carteira ½ planetinha, que viraria ¼ . Marrisso puxou uma navezinha, que teria o mesmo fim.

-Qual é da navezinha? Perguntei.

-É só um desenho, é tudo a mesma coisa.

-Discordo. Uma você pilota, o outro você pousa. A doideira deve ser diferente.

-Porra nenhuma, é só um desenho. Tanto faz se tiver o Bozo ou o Dart Vader, não faz a menor diferença.

Enquanto filosofávamos, o ácido derretia debaixo de nossas línguas e nada acontecia. Comecei a desconfiar da remota possibilidade de ter tomado uma volta.

-Marrisso, já tem uns 20 minutos e nada!

-Pois é, sugiro tomar mais ¼ para garantir.

Marrisso sempre foi mais impulsivo que eu no quesito cabeção, mas sua proposta era boa, incrementei, sugerindo que trocássemos os ácidos.
Vinte minutos depois:

-Marrrrrrrisssssssso! Tomamos uma volta! Essa porra é falsi!

-É mesmo, Moluscão. Puta merda, nos fodemos. E ainda gastamos uma grana, sacanagem!

E ficamos ali esperando algo acontecer.

Mesmo muito bolado não pude deixar de reparar na beleza do dia. O céu estava com uma cor sem nome e rolava uma brisa quase fria sob um sol laranja avermelhado. Pintura.
De repente eu gritei:

-Caralho Marrisso! Olha o tamanho daquele cachorro! Apontei para a estradinha de terra.


-Caraca, parece um cavalo... PORRA MOLUSCÃO! É O MAIOR CACHORRO QUE JÁ VI NA MINHA VIDA! Gritou Marrisso.

Parecia uma versão do ajudante-de-papai-noel escalonada, era esguio e ágil, arrojado como uma tatuagem tribal. Era um cão tribal. E vinha em nossa direção.

-Sobe mais na pedra Marrisso! Essa porra vai morder a gente. Gritei.

-Olha! Ele tem cara de manso, não deve morder.

-Mete a mão então, que eu quero ver? Porra, ele deve fazer uns cocôs gigantes...puta merda. Falei.

O cachorro continuou na trilha e desceu em direção a praça. Cagou pra gente.
Ficamos ali falando do cachorro gigante e de repente, na mesma trilha:

-PUTAQUEPARIU MOLUSCO! OLHA O TAMANHO DAQUELA MULHER! Gritou estarrecido Marrisso.
-CARALHO, É A DONA DO CACHORRO TRIBAL! SÓ ELA PODE TER UM CACHORRO GIGANTESCO. Ei, doida! O seu cachorro foi pra lá. Apontei pra direção da praça. A mulher ficou me olhando e eu tive pena dela.

A mulher nem era feia, era uma hippie-sasquatch de uns 2 metros e tal. Me imaginei trepando com ela e achei graça, ou beija, ou fode.

-Merda cara. Imagina você ser um gigante? Achar uma pessoa da sua altura? Deve ser bizarro. E um tombo? É igual voar do segundo andar. Porra Marrisso, vi tristeza no olhar dela.

-Que nada, no fim, todos arrumam um parceiro... pode ser gordo, feio, magro, errado, chato, com chulé, publicitário, careta... Todos!

O dia passava e nada do ácido bater. A luz espetacular estava dando lugar ao luar e aos poucos as pessoas voltavam da cachoeira. De repente Marrisso berra apontando:

-VIU COMO PARA CADA PÉ EXISTE UMA PORRA DUM SAPATO VELHO!! Ó o namorado da gigante, dona do cachorro tribal!

Quando me virei, vi um sujeito que parecia o Salsicha, versão grande pra caralho. Devia sem sacanagem, ter uns quase 3 metros... nada, tinha mais de 3 metros fácil. C a r a l h o!

-Aí maluco! Tua mulher e teu cachorro desceram a trilha! Se correr, você encontra eles. Falei simpático.

O cara me olhou meio estranho. Deu pena também. Com essas alturas, eles não se perdem nunca, isso é maneiro.

-Marrisso, se liga. É melhor a gente torrar um e tomar uma breja, porque se depender desse AC falsi, estamos fodidos!

-Podes crer, Molusquete. Taca fire! E acendeu uma generosa ponta.

Torramos um enquanto o sol descia no meio do mato. Descemos da pedra e pegamos a trilha em direção à pracinha. Nível de stress, -10.
Estávamos andando e me distraí um segundo vendo um hippie velho falar com um galho seco, e quando percebi, estava no meio do mato. Saí da trilha.
Olhei em volta e não vi nem trilha, nem Marrisso.

- Porra, não é possível que tenha me perdido, já estive diversas vezes aqui, impossível me perder. Pensei.

A noite foi surgindo junto com o meu desespero. Rodava, andava, berrava e nada acontecia. Fodeu! Mato fechado para todos os lados. Fodeu muito!

Eis que, inesperadamente apareceu uma mina do nada, com belos olhos verdes e umas tranças cor de taco de madeira.

-Olá, você quer uma ajuda para sair?

-Poxa, uma ajuda sua eu aceitaria mesmo não precisando. E estiquei a mão pra ela.

Ela pegou nos meus dedos com sua mão de seda e me puxou. Olhei para trás e não acreditei. PORRA!! EU ESTAVA PRESO NUMA CARALHA DE UMA CERCA VIVA! Procurei Marrisso e o encontrei caído no chão, se cagando de rir.

-UAHAHAHAHAHA. MolusHAHAHA!! E não conseguia falar.-Molu, MoluUAHAHAHHA.

Imediatamente, minhas mandíbulas mudaram pro modo gargalhada e comecei a ter um ataque de riso também. Via o Marrisso rolando no chão, e o ataque aumentava.

-HAHAHAHAHAHA, Porra!! HAHAHA não consigo parar, vou ter um treco!!! AHAHAHA.

Minha barriga estava totalmente contraída, lágrimas saltavam de meus olhos. Tinha que sair dali. Respirava um pouco, olhava pro Marrisso e de novo:

-HAHAHAHAHAAAAHAHAHAHA. PUTA MERDA! MARRIHAHAHAHAAHAHAH. VOU SAIR DAQUIAHAHAH.

Saí correndo cambaleando, abraçando a barriga, que doía horrores. Me afastei uns 50 metros, me virei e lá estava ele, caído no chão, me olhando e apontando. Marrisso também estava passando mal.

Sempre que avistava sua cabeça lá longe, de boca escancarada, começava a ter ataque de gargalhadas. Corri, passei por umas barracas que vendiam pulseirinhas hippies, e deitei na escada de entrada do bar do Lelei. Estava quase enfartando, precisava respirar.

Fiquei me recuperando, chacota total. De repente um sósia do Almir Sater estaciona seu alazão do meu lado, ele amarra o equino no poste. Um cavalo marrom bem tratado, o bicho estava tão próximo, que podia dar um beijo na testa dele.

Algumas pessoas me pulavam pra conseguir entrar no bar, umas estavam rindo, outras me olhavam num misto de preocupação e pena. Consegui parar de rir e me sentei na escada. Nesta hora, o cavalo se vira e sua enorme cara fica muito próxima do meu redondo rosto. Momento mágico, seu grande olho marrom me hipnotizou, num magnetismo que durou uns 5 segundos, trocamos umas mensagens telepáticas, ele se virou para o outro lado, eu fiz o mesmo pra pedir uma breja, quando escuto um hippie capoeirista gritar:

-O CAVALO PIROU! ALGUÉM SEGURA ELE! TÁ MALUCO!

Caralho, o cavalo enloqueceu de fato. Ele pulava e rodava, largando coices para todos os lados. Acertou algumas barraquinhas de artesanatos, fazendo chover pulseiras e cordões de pedras multicoloridas.

-PEGA ELE! PEGA!! ELE TÁ MALUCO! Gritava uma hippie falsi.

-FRANCESCA! QUIETA!! Berrou Almir Sáter largando o copo de cana em cima da mesa de sinuca e correndo em direção ao cavalo, que era égua.

Puta merda, ela saltava furiosamente, e eu estava prestes a morrer com uma ferradura no crânio, tinha que sair dali, ia ser pisoteado. Me arrastei enquanto tentavam acalmar a bicha. Wild horse total.

-É melhor eu voltar, essa noite está estranha. Pensei.

Andando de volta, vi uma casa vermelha mais no alto da rua, estava tocando Raul e tinha uma galera de 6 pessoas na entrada. Achei melhor tomar algo antes de dormir. A língua estava desidratada. Passei pelas pessoas e achei que estavam me observando além do normal, estava na nóia.

Quando entrei, ao invés do tradicional balcão de bar e bebuns em volta, me deparo com uma grande sala vazia. A parede vermelha de frente tinha uma mandala gigante, feita de garrafões de vinho cravados na parede, virando um enorme vitral de doidão. Era mágico e muito colorido. Parei.
Eis que surge uma voz:

-O caminho metafísico se acelera, dependendo da qualidade de abstração alcançada ao se isolar o tempo. Foque no meio, e ao abrir a visão, abra junto a mente pela ponte do superego.

Caralho, consegui entender, consegui! Quando me virei pra ver a autoria da máquina do tempo, me espantei. Não tinha ninguém. Pourra!

Me posicionei em frente a parede. Passou um maluquete com uma elfa do lado, torrando um, pedi um-dois e eles foram gentis. Voltei a me posicionar no centro da sala, agora com os pulmões mandando pressão para o cérebro como um compressor enchendo pneu, eu foquei bem centro da mandala; nas caixas de som, Raul se dizia astrólogo... Daí, eu abri os olhos e a visão, juntos abri meus pulmões e minha mente... BUM!!!

Flashes multicoloridos invadiram minha cabeça, que estava tão grande por dentro quanto por fora. A gravidade se modificou pra deixar tudo mais leve, rodopio sorrindo e caio no chão de geléia. Escutei um parabéns. Levantei. Olhei, e de novo nada. Resolvi então, tentar voltar pra barraca mais uma vez.

O caminho agora estava bem mais relax, sentia tudo com mais intensidade. Cheiro do mato, das flores, dos bagulhos, das bostas... sons de cigarra, de viola, de grilos, de rio.....podia tocar tudo, sentia cada textura, frestas, asperezas, temperaturas e até um pastoso nos pés...
–Pastoso nos pés?


Olhei pra baixo e estava com os pés numa bosta de dinossauro, ok. Só que eu estava descalço. Cadê meu tênis? Não tinha a menor idéia aonde perdi meu tênis. E a merda verde deslizava por entre os dedos e fazia um barulho assim: FRUSsssshhhhhh! Formando uns montinhos tortos.

Me desenterrei e fui procurar um lugar pra me limpar. Na beira do rio lavei bem os pés. A água estava ótima e a lua refletia prateado para todos os lados. Vi um casal de libélulas trepando numa folha que quase encostava na água. -O homem definitivamente não sabe viver. Pensei.

Peguei o caminho de volta. Entrei no camping, a fogueira estava na brasa, perdi uma festa. Fui andando cansado, avistei a barraca, sobrevivi.

Abri o pandeiro, deitei e morri... Já muito encornado, senti uns três bicos na sola do pé, e uma voz:

-Qual é doido, sai da minha barraca!

-Que tua barraca nada. Resmunguei sem levantar a cara. –Só existe um pandeiro-barraca no mundo.

-Olha o doido! Mais três bicudas. –Vambora maluco! Quero dormir, porra! Gritou sei lá quem.

-Aí caralho, essa porra é a minha barraca. Levantei apontando pro pandeiro.

Quando eu olhei direito, era de fato, outra barraca e nem pandeiro era. Essa foi foda.
Olhei em volta e percebi que estava também em outro camping, desorientado por completo. Saí, me localizei, andei uns 200 metros e cheguei no Jamaica. Fogueira estava na brasa, perdi duas festas. Fui andando, avistei o Marrisso, dormindo fora da barraca, mas com os pés pra dentro.

-Tá vivo, maluco? Perguntei.

-Hmmpppfhh. Gruniu Marrisso.

Me ajeitei de lado, vi meu tênis intacto no cantinho. Estava feliz.

-Molusco?

-Ahn?

-Vamos pedir nossa grana de volta, esses ACS estão vencidos, maior sacanagem!

-É, vamos sim. Falei.

FIM

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

MALDITOS ARQUITETOS

O trabalho começou com a máquina dando pau, senti que ia ser uma sexta-feira foda. Murphy zoava nas sextas, disso eu tinha certeza. O almoço ter ido pro caralho, disso, eu também tinha certeza.

Olhei pro meu camarada de senzala e percebi que ele estava se transformando num indiano rastafári, eu com uma fome da porra e ele tranquilão.

-Qual é Kuque, tá pegado também ou tá no projeto faquir? Perguntei.
-Projeto faquir é o caralho, vou rangar! Vai não Molusco? Já pegando a carteira e os óculos escuros.

Estava enganado, ele ainda era o velho carnívoro de sempre. A fauna na criação era bem vasta. Começando com o próprio Kuque, diretor de arte, apesar do estilo “tatuador skatista criativoso”, Sr. Marcillius para os íntimos, era na verdade, um velho rabugento furador de bolas da molecada, era só uma questão de tempo. Na minha esquerda ficava o Animal, outro diretor de arte, que mudou de quilos pra arroba, usava a mesma calça jeans todos os dias e tinha uma cicatriz na barriga no formato A3, perdia o amigo, mas não perdia a piada. O redator era o Faraó, fazia estilo casado e sério, mas apostava minhas fichas como ele era um sadomaso, com masmorra e tudo. E pra terminar, tinha o Cabeça, jiujiuteiro maluco, que falava alto pra caralho, como se tivesse um Tojo ligado direto nele. Era o nosso courier.

-Vou porra nenhuma, depois eu rango uma parada lá no Istambul. Me fodi aqui nesse varejão de merda. Falei
-Belê, fui! Vou ver se encontro a galera.

Fiquei ansioso para terminar logo aquele anúncio, até porque sabia que o cliente ia mudar tudo mesmo. A agência onde eu trabalhava era pequena, mas era limpinha. Tinha uma galera responsa e um cliente grande, que queria os anúncios com títulos mágicos, entulhados de fotos, preços, formas de pagamento e tudo mais que pudesse convencer uma pessoa a pagar três vezes mais, por um produto muambado da china.

Finalmente terminei, deixei imprimindo e saí.

Já eram 15:40 e só restava o árabe, nada mal, melhor do que o bauru que comi no mercado São Sebastião. A porra do sanduíche veio submerso num óleo podre de frigideira, e ainda foi arremessado por cima de um muro de 5 metros... mas isso é outra história.

Quando cheguei, fui direto no expositor de kibes, aí aconteceu algo estranho. Eu me aproximei do vidro para ver o bicho, ele parecia apetitoso, mas reparei em uma espécie de reflexo nele todo, meio verde, meio metálico, devia ser alguma coisa verde por perto. Era um senhor kibe, sem dúvida, e estava acompanhado de um irmão idêntico. Eram gêmeos.

Pedi pro turco:
-Aí Pará! Me vê uma kibola dessa aí.
-Vai beber algo? Perguntou, já trazendo a peça.
-Vê uma coca abarrotada de gelo. E pedi. -Tem molho árabe aí, Pará?
-Do teu lado, te mordendo. Falou de costas.
-Valeu.

Daí passou o Animal, e berrou:
-Aí, isso não é um kibe, é uma granada!
-Hehehe. Ri abrindo a boca pra primeira mordida.

Hmmm, estava divino, apesar do reflexo ainda estar lá. Joguei alguns bons mililitros de molho de alho, e caí dentro. E a coca? Saltitavam os meus globos oculares a cada golada. A verdadeira felicidade também é encontrada em um copo de coca-cola com gelo, pensei. Pensei também na possibilidade de juntar os irmãos kibes no meu estômago, mas apareceu um coroa e arrematou o gêmeo antes de mim. –Me vê esse kibe aí! Pediu. Paciência, também não podia demorar muito, melhor assim.

Paguei, comprei uma bala e caminhei de volta a passos largos. A agência ficava a uns 200 metros do árabe. Logo nos 100 primeiros metros, percebi umas pontadas de nível 3 na barriga, pensei:
-Porra! Acho que comi rápido demais.

Quando cheguei no bloco, as pontadas já estavam mais intensas, tipo nível 5.
-Puta merda, vou chegar e ir direto ao banheiro.

Entrei na agência apressado e focado, me deparei com algumas visitas. Que merda.
-Oi Molusco. Falou o dono. –Esses são os diretores da Marleys, Massímo e Barney.
-Prazer, sou o Molusco. Falei angustiado com as pontadas, e analisando o banheiro.
-Eu disse a eles que você falaria sobre a nova campanha. Comunicou o dono.

Puta merda, olha o Murphy zoando! Estava com a maior cólica do mundo, prestes a virar a maior cagada, sendo interrompida por uma reunião com o cliente que pagava todas as contas da agência. Comecei a suar como um porco e tinha mais um agravante: o nosso banheiro.

Eu não podia entrar lá, não lá. Algum gênio da arquitetura, construiu a porra do banheiro no meio da sala. Tinha uns 5 centímetros de distância entre o chão e a porta, e todos que usavam o banheiro, usavam somente pra mijar, e mesmo assim, se ouvia o barulho do mijo por toda a sala, nem as mulheres escapavam desse verdadeiro show de horror. Uma vez, o Animal resolveu estragar lá e foi foda. Gastamos uns 10 incensos para amenizar e ouvimos vários ruídos constrangedores, parecia uma concha acústica. Imagina eu, que estava prestes a dar à luz a um rinoceronte... E ainda tinha visitas. Fodeu muita coisa.

Rapidamente, por extinto de sobrevivência, mandei:
-Seria melhor o Kuque apresentar, ele que concebeu o conceito. E rezei pra colar.
-Hmm, mas ele ainda não chegou do almoço. Retrucou o dono.

É verdade, cadê o Kuque? Sexta-feira normalmente se dá um bico na hora do almoço... Pedi pra todos os Santos existentes que me ajudassem a não cagar em público no meio de uma reunião. Aquela situação era uma prova da existência divina... Eis que, milagrosamente, Kuque surge porta. Deus existe!

-Então, ele acabou de chegar. Falei branco como um zumbi. -Kuque meu amigão, você pode apresentar para esses senhores o conceito da nova campanha?
-Hã!? Claro, claro. E me olhou sacando que algo de muito errado estava acontecendo.
-Se me dão licença... E saí numa fumaça ninja.

Só tinha um jeito, ir no banheiro do shopping, que por sinal ficava ao lado do Istambul, ou seja, 200 metros de sofrimento e passos à la Jerry Lewis.

A dor estava muito intensa, fui envenenado, não tinha dúvidas. Passei por uma vitrine e me vi com a maldita gota multicolorida na testa, isso era muito sério. Já tinha presenciado meu amigo Dentinho com a gota, e lembrava das cenas de dor e constrangimento. Fodeu. Sem falar que o banheiro do shopping, até onde eu lembrava, estava em obras. Mas não tinha certeza se a obra acabara ou não. Isso me dava 50% de chances.

Faltando 30 metros, meu esfíncter foi colocado a prova. Toda minha força estava direcionada em controlar esse músculo, que por sinal, estava cedendo como uma represa de desenho animado.

Quando entrei no banheiro do shopping, tive a maior visão celestial da minha vida. Anjos me receberam tocando trombetas e o céu aterrissou ali em forma de pisos e vasos zerados, podia passar a língua pelos cantos, de tão limpos e cheirosos que estavam. O paraíso também existe, pensei.

Meu cronômetro anal apitava como o cronômetro do Seaquest, e me restava muito pouco tempo. Pulei no primeiro box.

Tentei fechar a porta, percebi que isso seria impossível, devido a um desalinhamento das divisórias. –Ok, pulo pro próximo.

O segundo apresentava o mesmo problema. Comecei a ficar nervoso, não sei cagar de porta aberta, e merecia privacidade, já sofrera bastante.

No terceiro, nem entrei. Constatei o defeito tentado fechar a porta por fora. Fodeu, só restava um box, o de deficiente físico. Entrei e a porta fechou como a porta de um carro japonês. Estava a salvo.

Me senti numa mansão, o box era gigante e a privada bem mais alta, com apoio de braços e tudo mais, viva os direitos dos deficientes.

A granada explodiu. Comecei a me esvair em merda. Apesar das agulhadas na barriga e todo meu corpo curvado como um gongolo, era prazeroso me livrar daquele corpo estranho.

De repente escuto passos apressados entrando no banheiro. Não estava mais sozinho, tentei controlar melhor meus barulhinhos.

Ele possivelmente tentou o primeiro box e percebeu o defeito. Gruniu:
-Porra!

Aquela voz não era tão estranha. Daí ele pulou para o segundo box.
-Merda de porta! Falou estressado.

Tentou o terceiro box, o mais desalinhado de todos.
-Arghh! Bosta! Gritou sem perceber minha presença, se bem que o cheiro...

Peraí! Essa voz! Era o coroa que comeu o outro kibe, era ele! Puta merda! Se fodeu também.

Daí ele tentou abrir a minha porta. Putz, ainda bem que cheguei antes. Sinto muito velhinho. Pensei.

Acho que ele ficou muito puto, pois gritou:
-MERDA DE BANHEIRO FILHO-DA-PUTA!!! Deu uma bicuda na divisória e saiu.

Compreendi, mas continuei me esvaindo, cada um com sua dor de barriga.
De repente percebi que toda a estrutura estava balançando. A bicuda gerou uma onda de energia, que só fazia aumentar. Meus olhos não acreditavam naquilo, toda divisória ziguezagueando e eu distante, num vaso alto e o pior, cagando sério.

O paraíso se transformou no inferno. Olhei para os pés das divisórias, todos estavam sem parafusos, cilada dos peões. Cinco metros de divisórias balançando como João Bobo e eu ali estarrecido com todos os meus olhos arregalados. Como um contorcionista louco, me estiquei todo, e sem levantar minha bunda do vaso alto, alcancei a tramela, que foi escorregando...escorregando...escorregando... Quando senti que ia lombrar, tentei de tudo, tele cinese, rezei, foquei no open/closed mas não adiantou, a tramela escapuliu entre os meus dedos...

-NNNNNNÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOO!!!!!!!!!! Gritei desesperado.
O barulho que seguiu foi algo como uma bomba caseira. Imagina toda aquela divisória chapando em um piso zerado e polido. BBBRRRRAAAUUUHHHHHHH!!!!!!!!!!

Em poucos segundos, umas doze pessoas surgiram para ver o que houve. Seguranças com cassetetes, umas faxineiras com meias na cabeça, alguns peões de capacete e uns transeuntes curiosos. E eu lá, cabeludo quase albino, exposto como um macaco raro, sentado naquele vaso especial, com as calças lá no pé e a bunda totalmente suja, o que fazer? Entrei em pânico e só gritava:
-NÃO FUI EU! NÃO FUI EU! FOI O CARA DO KIBE! O CARA BICOU! EU JURO!

As pessoas ficaram ali me olhando paralisadas, toda estavam analisando a situação inédita, o segurança estava se segurando muito pra não ter um ataque cardíaco de tanto rir, mas mesmo assim perguntou se estava tudo bem. E eu falei:
-COMO TUDO BEM? TUDO BEM PORRA NENHUMA! VOCÊS PODERIAM ME DAR LICENÇA PARA EU LIMPAR A BUNDA!? OBRIGADO!!!

Foi a derradeira. –UAHHHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH! Todos rindo ao mesmo tempo. –HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! Estavam passando mal, tinha uma tiazinha da faxina que estava apontando pra mim e gargalhando. Não via tanta graça. –UAHAHAHAHAHAHA! Enfim, saíram.

Limpei a bunda, subi a calça e me preparei para atravessar de novo aqueles 200 metros. Corri como um queniano pra me livrar da chacota, mas as gargalhadas e olhares me acompanharam até o bloco.

Definitivamente uma sexta-feira de merda. Até eu ri de mim mesmo.

FIM

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

PERDÃO SENHOR

Saí desnorteado... Foi uma porrada e tanto na cabeça. Quando cheguei na calçada, a cena que vi foi terrível. Apenas os pés estavam pra fora... Dentinho olhou pra mim e falou chorando:

-Atropelaram o Muga, Molusco! Dentinho se agachou na frente do carro: -Ele tá preso lá embaixo.

Só faltava essa, logo o Muga, e na frente do bar...puta que pariu! Mas espera aí, conheço esse carro. Caralho, minha cabeça tá pesando uma tonelada. Tombei com a cara no chão.


Duas horas antes...


-E aí, qual vai ser?
-Sei lá Muga, vamos no Sacristia encher os cornos. Que tal Dentinho?
-Pode ser, mas vocês sabem que lá é fraco de mulher. Ajeita o cabelo. –Mas foda-se, tá tarde mesmo...
-Então partiu. Falei. –Muga, aproveita e taca fogo!
-Claro Molusco.
-É! Ri Dentinho.

Partimos com a Fiat prêmio enfumaçada em direção a Bangu. No tape rolava Pixies revezando com Cure. Já estava tarde, mas estávamos na pilha, fazendo jus a energia dos 21 anos.

O Sacristia era o bar dos punks e da galera alternativa da zona oeste do Rio. Era um casarão com pé-direito gigante e TVs velhas passando Pantera cor-de-rosa e Pica-pau; rolava uma iluminação sombria e um som de qualidade. Uns shows bem legais, como do Zumbi do mato, faziam parte da programação não programada do bar e, o mais importante: o dono tinha trabalhado no Adrenalina, portanto, sabia todos os drinks fodas que já inventaram.

Chegamos e pegamos uma mesa de frente pro balcão. Como a tradicional fome lariquenta dominava, pedi:
-E aí Marcellus, beleza? O que tem de bom pra mastigar?
-Fala Molusco...que cara é essa, hein? Riu. -Que tal um sanduba de lascas de pernil com tomate e alface?
-Demorex, vou nesse sandubola mesmo! Vocês não vão comer nada? Perguntei pros dois.
-Hãã!? Se vira Dentinho com a cara deformada, estilo quadro de Picasso caído. Apesar de não balbuciar nada, o conhecia suficiente para saber que comeria até o dedão do pé.
-Eu vou num desse também. Falou Muga, com a cara monstrenga também.
-São três Marcellus! E três cocas também, com gelo gelado! Gritei.

Não demorou muito e eles chegaram, devidamente arrumados e apresentados, tinham uma aparência ótima. O pão era fininho, seguido das lasquinhas de pernil molhadinhas, com uma micro camada de maionese, e por cima, alface, tomate e umas rodelinhas de cebola. Que coisa mais bonita de se ver. Hmmm.

Dei uma golada demorada na coca, daquelas que estufam os olhos. Segurei o sanduba com as duas mãos, abri a boca quase deslocando o maxilar e pensei: -Porra, umas três mordidas dessa, e eu serei o cara mais feliz do planeta. Quando dei a mordida celestial ainda ouvi o Muga:
-Se liga que tem...
-AAAAAAAiiiiii!!! Gritei de dor. Algo havia penetrado pelo meu crânio e dado uma alfinetada no cérebro.-AAAiiii!!!

Puta merda. Esqueci de tirar a porra do palito de dentes que atravessava todo sanduba. Agora ele estava cravado no céu da minha boca. Segurei e puxei; senti gosto de sangue e começou a latejar. Muga e Dentinho estavam se cagando de rir. O jeito era tapar o buraco com lasquinhas de pernil.

-E aí, qual vai ser? Perguntou Dentinho com a boca cagada de maionese.
-Marcellus, chega aí! Gritei.
-Opa, tava bom o sanduba?
-Foda! Tirando o fato de quase me matar com um palito de dentes. Mas fala aí, o que recomenda pra beber?
-Que tal o Perdão Senhor? Perguntou olhando sério para nós.
-Que porra é essa? Vem o quê? Perguntou Dentinho.
-É pra macho, vem de tudo um pouco e mais um toque secreto misturado com limão. E aí, vão encarar? Olhou sério de novo. Bolei.
-Vamos pedir um pra ver qual é, se for bom a gente pede mais. Falou Muga.
-Hahaha, tem que ser um de cada vez mesmo, vocês já vão entender. Saiu Marcellus e falou com seu sócio, que nos olhou com cara de despedida. Não entendi nada.

Enquanto isso, a Pantera cor-de-rosa tentava passar por um campo minado e eu estava com o céu da boca explodindo de dor. Na entrada, tinha uns quatro punks com camisa do Exploited e da Anarquia; no canto esquerdo, uma mesa com duas lésbicas se pegando. Alguém montava um bateria precária no outro canto, e de fundo musical, Sister of Mercy fazia a festa. Curiosamente o bar estava lotado na calçada, onde uma galera dividia uma garrafa de cana trazida sei lá de onde.

-Aqui, preparado para los tres amigos. Aparece Marcellus com uma taça gigantesca, tipo aquela de sorvete do Viena, transbordando de um líquido esverdeado e turvo, com a borda cravejada de açúcar.
-Caralho! Deve ter um litro de birita aí! Se espanta Dentinho.
-Deve tá o maior suquinho de limão. Desdenhei.

A taça gigantesca foi colocada ao centro da mesa, cada um recebeu um canudinho e começamos a secar a taça juntos. Tipo corrida.
O gosto era fantástico, dava pra perceber vodka, rum e tequila. Matamos rápido, tava levinho, bebida de moça.
-Vê outro Ki-suco desse. Pediu Muga rindo à toa.

Enquanto o segundo estava sendo preparado, no canto da bateria já tinha agora um baixo e uma guitarra. Por ser uma Flying V, desconfiei que seria uma noite hard. Beleza. E as minas continuavam a se pegar, que beleza...

-Chegouuuuu! Fala Marcellus aterrissando a nova dose na mesa. –Vão devagar, isso é sério.
-Ki-suco, Ki-suco! Riu Muga, pegando uns cubinhos de gelo e jogando dentro na minha camisa.
-Tá maluco, Muga! Porra.
-Hahaha! E joga gelo no Dentinho também.
-Porra Muga! Tá desperdiçando gelo! Vamos beber.
-Corrida então. 3, 2, 1, vambora macacada! Gritei.

Enquanto enxugava, percebi que os olhos do Muga estavam ainda mais juntos. Quando isso acontecia, era sinal de que ele estava entrando em outra dimensão. Dentinho estava com a cara de borracha, paralisada num sorriso eterno. Fodeu, mas curiosamente estávamos bem, ainda não tinha batido nada, muito estranho.

-Essa acabou rápido demais, pede outra aí Molusco. Falou Dentinho.
-Vou ali fora ver qual é. Levantou Muga.
-Senta aí, vamos tomar mais uma. Falei.
-Vou ali e já volto, preciso respirar.

Muga levantou, se dirigiu à porta num zigue-zague preocupante e sumiu.

-Muga tá louco, ele é fraco pra bebida. Riu Dentinho.
-Olha ela aí! Aparece Marcellus com a terceira dose de suquinho. –Cadê o maluco que tava aqui?
-Foi dar uma volta. Falei. –Deve ter ido comprar uma Schweppes. Hahaha.

Tudo parecia tranqüilo, tirando o fato do Muga ter sumido há alguns minutos, deve ter conhecido alguma maluca lá fora. Melhor pra ele.


-Fala aí Dentinho, birita tranqüila, só tem tamanho.
-Podes crer. E Muga, hein? Tô preocupado, acho que levaram ele.
-Levaram ele? Ta doidão? Como assim?
-Acho que raptaram o Muga. Falou Dentinho mamando o Perdão Senhor.
-Como raptaram? Quem iria levar o Muga? Um pé-rapado como a gente.
-Essa porra de tirar os órgãos... isso é foda!
-Os órgãos do Muga devem estar todos podres. Não servem nem para pôr num babuíno. Ri.
-Levaram o Muga! Levaram ele, tô te falando! Começa e se desesperar Dentinho.
-Calma aí porra! Vamos tomar só mais um suquinho, ok? Daí a gente procura ele.
-Marcellus! A saideira, please! Caprichado!

Se bem que Dentinho falando daquela maneira, começou a me deixar preocupado. A quarta dose chegou junto com os primeiros acordes da banda do canto escuro. Mal demos o primeiro gole e Dentinho levantou.

-Vou recuperar o Muga! E saiu, totalmente fora de prumo, indo em direção à porta. Sumiu.


Fiquei sozinho na mesa e a banda começou a quebrar tudo. Foi dando uma sensação de vazio e solidão, e nada dos caras aparecerem. Que merda.

Resolvi procurar meus amigos, matei o quarta dose que desceu muito forçada, levantei. Olhei para fora e tracei uma reta imaginária, o som estava embaçado, a banda era uma merda e o ambiente estava mais escuro que nunca. Dei o primeiro passo.

-Porra, tá foda de andar. Falei olhando pras lésbicas que, por sinal, cagaram pro meu comentário.

Dei uns três passinhos rápidos e um lento pra tentar me equilibrar, quase voei na banda num mosh involuntário. Dei um pulo pro lado e me agarrei na porta, que porra é essa?
Desci dois degraus quase que pagando promessa e avistei Dentinho chorando.

Aí então...

Saí desnorteado... Foi uma porrada e tanto na cabeça. Quando cheguei na calçada, a cena que vi foi terrível. Apenas os pés estavam pra fora... Dentinho olhou pra mim e falou chorando:
-Atropelaram o Muga, Molusco. Dentinho se agachou na frente do carro. -Ele tá preso lá embaixo.

Só faltava essa, logo o Muga, e na frente do bar...puta que pariu. Mas espera aí, conheço esse carro. Caralho, minha cabeça tá pesando uma tonelada. Tombei com a cara no chão.


-Dentinho, esse carro é meu! Falei caído. Esse é o porcomóvel, Dentinho!
-Filho da puta!! Você atropelou o Muga! Chora e grita Dentinho.
Começo a chorar. –Atropelei o Muga...Juro que não vi!!!! Que merda! Eu não vi!! MMMUUUUGGGAAAAA!!!!! Dentinho, como isso foi acontecer? AAhhh!!! Mugaaaa!!! Fala comigo, fala!!! Me agarro em Dentinho, desesperado.
-Me solta, assassino! ASSASSINO!!! Chorando histérico. -Como pôde? Ele é nosso amigo! AHHH... Como vamos falar pra mãe dele? Como? Assassino! Você vai falar! Me solta! E abaixa a cabeça.

Todos chorando, inclusive o Muga.

-Peraí, o Muga tá vivo! O MUGA TÁ VIVO!!! PORRA!! MILAGRE!! CARALHO!! SAI DAÍ MUGA!!
Berrei com sorriso gigante.
-Ele tá preso nas ferragens! Gritou Dentinho. –Tá preso...

-Muga! Tenta sair! Gritei.

Muga tentava levantar como que fazendo abdominal e porrava com a cabeça no fundo do carro. Louco.
-Pega um pé que eu pego o outro. Falou Dentinho. –Vamos puxar.
-Ok, 1, 2, 3, puxa Dentinho!

Fomos interrompidos por um cara com a cara do monstro sem rosto do Scooby-doo.
-Por acaso, algum de vocês tem Lucky Strike? Perguntou.
-O quê? Tá maluco?
-Serve Marlboro? Perguntou Dentinho.
-Não, só Lucky Strike. Tem não né?
-Nem tenho, porque Lucky Strike não se acha assim por aqui, mas na Zona Sul....
-Caralho! O Muga tá preso porra! Gritei.

Começamos a ralar o Muga no asfalto, que berrava como um porco. Depois de umas quatro tentativas, e vários ralados, ele se soltou.

-Muga tá vivo! Nos abraçamos. Ele chorou com seus olhos juntos.

Os três estávamos em frente ao bar, caídos no asfalto, precisamente na sarjeta. Eu fui entender que aquela vaga foda em frente ao bar era uma cilada do destino. Caímos nela. A calçada estava lotada de gente e a gente chorando.

-Vamos embora! Paga lá Dentinho! Falei dando minha parte pra ele.
-Impossível! Sem condições.
-E eu fui atropelado. Riu Muga.
-Depois a gente paga, vambora! Falei.

Tentei algumas vezes abrir o carro em vão. Em volta da fechadura já estava completamente arranhado... quando ouvi uma voz feminina:
-Vocês não vão embora assim não, né?

Quando olhei, uma mina loira demais pro lugar, com curvas angelicais, nos repreendia com cara de cachorro na chuva.

-Vamos sim, estamos bem. Falei, sem noção.
-Eu perdi um amigo assim. Disse a loira.
-Eu também, o Porcão!
-É ele mesmo! Você conhecia ele?

Todos conheciam o Porcão. Ele comeu um cadarço de Mad-rats imundo depois de uma partida de porradoball, no intervalo do pré-vestibular. Eu o vi enfiar um cachorro-quente inteiro na boca, após uma mina perguntar se ele queria um tasco. Esse era o Porcão.

Chorei pela coincidência, mas conseguimos abrir o carro e pulamos dentro. Muga não tinha forças pra sentar e foi deitado entre o banco da frente e o de trás. Dentinho ficou do meu lado de co-piloto, mesmo que meio desmaiado e eu fiquei responsável pela condução segura. Fodeu. Deixamos a loira e os punks fedorentos para trás.

O mais impressionante na volta foi o copy-paste de carros e bumbas, todos estavam duplicados, procurava passar sempre no meio. Dei algumas freadas bruscas, e nessa hora Dentinho berrava algo do tipo: - Caralho!

No caminho, Muga falou:
-O Antônio me roubou!
-Hã!? Tu tá doidão ainda? Já não basta se meter embaixo do carro?
-Comprei um pão e ele segurou meu troco. Balbuciou Muga.
-Filho da puta, isso não se faz! Falou Dentinho.
-É! Se eu pego ele, ele tá fodido. Ele tem que devolver meu dinheiro.
-Pára lá Molusco. A gente vai pegar a grana do Muga.
-Puta merda!

Parei em frente a padaria, saímos do carro e começamos a gritar:
-ANTÔNIO, SEU FILHO-DA-PUTA, DEVOLVE O DINHEIRO DO MUGA! ANNNTTTÔÔÔNNNIIIOOOO!!!! FILHO-DA-PUTA LADRÃO!!!

De repente, do nada, aparece meu vizinho Nélio, de pijamas e com uma cara de que tava muito puto.

-Que porra de gritaria é essa? São 4:30 da manhã!
-O Antônio não devolveu o troco do Muga! A gente quer o troco do Muga, porra! Gritou Dentinho.
-É isso aí! Falei. –Antônio é um ladrão filho-da-puta!
-ENTÃO VÃO PARA O ANTÔNIO, CARALHO! AQUI É A PADARIA DO SEU MÁRIO!!!! Berrou Nélio.

Deixei meus comparsas em suas residências e consegui arduamente chegar na minha toca. Abracei a privada pro mundo parar de girar e pedi perdão senhor.

FIM