segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

NAVE E LUA

Quando vi a barraca, não acreditei, era igual a um pandeiro. Marrisso só podia estar me zoando, mas nem estava; esse era o problema.

-Doido! Isso é um pandeiro. Falei preocupado. -Não cabe nem um hamster, imagina nós dois.

-Qual é Moluscão? Vamos ou não vamos? Falou Marrisso rindo.

-Vamos. Mas que é um pandeiro...

Partimos de Sulacity para o Sana. Saímos por volta das 10 e o Sol rachava a moleira.

-Acende um pra refrescar. Pediu Marrisso.

-Já é. Respondi já pegando una punta malocada no hiper-ultra-megadechavator.

Estávamos bem estruturados. Fora o Plus-Vitta com presunto e a Big Coke de vinho palmares, a Fiat Prêmio ainda malocava algumas pontas e uns trocados. Sana, aí vamos nós! No tape Roadstar, Secos e Molhados nos colocava no clima hippie limpinho.

Chegamos depois do almoço. Percebi que o feriado movimentara um pouco a cidade, fomos para o Jamaica. Eu sabia que lá rolava uma tal sopa de leprechau a noite. Deve dar maior onda.

O Jamaica é um camping espaçoso, tem uma área pra fazer fogueira bem no meio do terreno. Uns detalhes rastafáris decoravam o lugar e o fundo musical de rio era bem maneiro.
Chegamos com as mochilas e o pandeiro. Então falei:
-Só quero ver essa barraca-pandeiro montada. Tem que ser ninja pra montar essa porra.

-Pois é Moluscão. Tom sarcástico. -Realmente precisa de muita perícia, olha só! Marrisso jogou o pandeiro-barraca para o alto, que se abriu como um ovo de Pokémon e caiu de pé igual a um gato. A parada era auto-montante. Pourra!

Arrumamos as coisas dentro da barraca, que até pareceu maior e ficamos curtindo o visual do lugar... do caralho.

-E aí Marrisso? Vamos tomar um AC pra climatizar?

-Vambora. Mas vamos naquela pedra. Apontou para uma pedrona.

A tal pedrona devia ter uns 3 metros de altura, era bem redonda e elegante. Ela ficava em frente a uma trilhazinha. Tinha uma textura de ferrugem e grafite. Ótimo canto para virar lagarto.
Subimos como locais na pedra e eu puxei da carteira ½ planetinha, que viraria ¼ . Marrisso puxou uma navezinha, que teria o mesmo fim.

-Qual é da navezinha? Perguntei.

-É só um desenho, é tudo a mesma coisa.

-Discordo. Uma você pilota, o outro você pousa. A doideira deve ser diferente.

-Porra nenhuma, é só um desenho. Tanto faz se tiver o Bozo ou o Dart Vader, não faz a menor diferença.

Enquanto filosofávamos, o ácido derretia debaixo de nossas línguas e nada acontecia. Comecei a desconfiar da remota possibilidade de ter tomado uma volta.

-Marrisso, já tem uns 20 minutos e nada!

-Pois é, sugiro tomar mais ¼ para garantir.

Marrisso sempre foi mais impulsivo que eu no quesito cabeção, mas sua proposta era boa, incrementei, sugerindo que trocássemos os ácidos.
Vinte minutos depois:

-Marrrrrrrisssssssso! Tomamos uma volta! Essa porra é falsi!

-É mesmo, Moluscão. Puta merda, nos fodemos. E ainda gastamos uma grana, sacanagem!

E ficamos ali esperando algo acontecer.

Mesmo muito bolado não pude deixar de reparar na beleza do dia. O céu estava com uma cor sem nome e rolava uma brisa quase fria sob um sol laranja avermelhado. Pintura.
De repente eu gritei:

-Caralho Marrisso! Olha o tamanho daquele cachorro! Apontei para a estradinha de terra.


-Caraca, parece um cavalo... PORRA MOLUSCÃO! É O MAIOR CACHORRO QUE JÁ VI NA MINHA VIDA! Gritou Marrisso.

Parecia uma versão do ajudante-de-papai-noel escalonada, era esguio e ágil, arrojado como uma tatuagem tribal. Era um cão tribal. E vinha em nossa direção.

-Sobe mais na pedra Marrisso! Essa porra vai morder a gente. Gritei.

-Olha! Ele tem cara de manso, não deve morder.

-Mete a mão então, que eu quero ver? Porra, ele deve fazer uns cocôs gigantes...puta merda. Falei.

O cachorro continuou na trilha e desceu em direção a praça. Cagou pra gente.
Ficamos ali falando do cachorro gigante e de repente, na mesma trilha:

-PUTAQUEPARIU MOLUSCO! OLHA O TAMANHO DAQUELA MULHER! Gritou estarrecido Marrisso.
-CARALHO, É A DONA DO CACHORRO TRIBAL! SÓ ELA PODE TER UM CACHORRO GIGANTESCO. Ei, doida! O seu cachorro foi pra lá. Apontei pra direção da praça. A mulher ficou me olhando e eu tive pena dela.

A mulher nem era feia, era uma hippie-sasquatch de uns 2 metros e tal. Me imaginei trepando com ela e achei graça, ou beija, ou fode.

-Merda cara. Imagina você ser um gigante? Achar uma pessoa da sua altura? Deve ser bizarro. E um tombo? É igual voar do segundo andar. Porra Marrisso, vi tristeza no olhar dela.

-Que nada, no fim, todos arrumam um parceiro... pode ser gordo, feio, magro, errado, chato, com chulé, publicitário, careta... Todos!

O dia passava e nada do ácido bater. A luz espetacular estava dando lugar ao luar e aos poucos as pessoas voltavam da cachoeira. De repente Marrisso berra apontando:

-VIU COMO PARA CADA PÉ EXISTE UMA PORRA DUM SAPATO VELHO!! Ó o namorado da gigante, dona do cachorro tribal!

Quando me virei, vi um sujeito que parecia o Salsicha, versão grande pra caralho. Devia sem sacanagem, ter uns quase 3 metros... nada, tinha mais de 3 metros fácil. C a r a l h o!

-Aí maluco! Tua mulher e teu cachorro desceram a trilha! Se correr, você encontra eles. Falei simpático.

O cara me olhou meio estranho. Deu pena também. Com essas alturas, eles não se perdem nunca, isso é maneiro.

-Marrisso, se liga. É melhor a gente torrar um e tomar uma breja, porque se depender desse AC falsi, estamos fodidos!

-Podes crer, Molusquete. Taca fire! E acendeu uma generosa ponta.

Torramos um enquanto o sol descia no meio do mato. Descemos da pedra e pegamos a trilha em direção à pracinha. Nível de stress, -10.
Estávamos andando e me distraí um segundo vendo um hippie velho falar com um galho seco, e quando percebi, estava no meio do mato. Saí da trilha.
Olhei em volta e não vi nem trilha, nem Marrisso.

- Porra, não é possível que tenha me perdido, já estive diversas vezes aqui, impossível me perder. Pensei.

A noite foi surgindo junto com o meu desespero. Rodava, andava, berrava e nada acontecia. Fodeu! Mato fechado para todos os lados. Fodeu muito!

Eis que, inesperadamente apareceu uma mina do nada, com belos olhos verdes e umas tranças cor de taco de madeira.

-Olá, você quer uma ajuda para sair?

-Poxa, uma ajuda sua eu aceitaria mesmo não precisando. E estiquei a mão pra ela.

Ela pegou nos meus dedos com sua mão de seda e me puxou. Olhei para trás e não acreditei. PORRA!! EU ESTAVA PRESO NUMA CARALHA DE UMA CERCA VIVA! Procurei Marrisso e o encontrei caído no chão, se cagando de rir.

-UAHAHAHAHAHA. MolusHAHAHA!! E não conseguia falar.-Molu, MoluUAHAHAHHA.

Imediatamente, minhas mandíbulas mudaram pro modo gargalhada e comecei a ter um ataque de riso também. Via o Marrisso rolando no chão, e o ataque aumentava.

-HAHAHAHAHAHA, Porra!! HAHAHA não consigo parar, vou ter um treco!!! AHAHAHA.

Minha barriga estava totalmente contraída, lágrimas saltavam de meus olhos. Tinha que sair dali. Respirava um pouco, olhava pro Marrisso e de novo:

-HAHAHAHAHAAAAHAHAHAHA. PUTA MERDA! MARRIHAHAHAHAAHAHAH. VOU SAIR DAQUIAHAHAH.

Saí correndo cambaleando, abraçando a barriga, que doía horrores. Me afastei uns 50 metros, me virei e lá estava ele, caído no chão, me olhando e apontando. Marrisso também estava passando mal.

Sempre que avistava sua cabeça lá longe, de boca escancarada, começava a ter ataque de gargalhadas. Corri, passei por umas barracas que vendiam pulseirinhas hippies, e deitei na escada de entrada do bar do Lelei. Estava quase enfartando, precisava respirar.

Fiquei me recuperando, chacota total. De repente um sósia do Almir Sater estaciona seu alazão do meu lado, ele amarra o equino no poste. Um cavalo marrom bem tratado, o bicho estava tão próximo, que podia dar um beijo na testa dele.

Algumas pessoas me pulavam pra conseguir entrar no bar, umas estavam rindo, outras me olhavam num misto de preocupação e pena. Consegui parar de rir e me sentei na escada. Nesta hora, o cavalo se vira e sua enorme cara fica muito próxima do meu redondo rosto. Momento mágico, seu grande olho marrom me hipnotizou, num magnetismo que durou uns 5 segundos, trocamos umas mensagens telepáticas, ele se virou para o outro lado, eu fiz o mesmo pra pedir uma breja, quando escuto um hippie capoeirista gritar:

-O CAVALO PIROU! ALGUÉM SEGURA ELE! TÁ MALUCO!

Caralho, o cavalo enloqueceu de fato. Ele pulava e rodava, largando coices para todos os lados. Acertou algumas barraquinhas de artesanatos, fazendo chover pulseiras e cordões de pedras multicoloridas.

-PEGA ELE! PEGA!! ELE TÁ MALUCO! Gritava uma hippie falsi.

-FRANCESCA! QUIETA!! Berrou Almir Sáter largando o copo de cana em cima da mesa de sinuca e correndo em direção ao cavalo, que era égua.

Puta merda, ela saltava furiosamente, e eu estava prestes a morrer com uma ferradura no crânio, tinha que sair dali, ia ser pisoteado. Me arrastei enquanto tentavam acalmar a bicha. Wild horse total.

-É melhor eu voltar, essa noite está estranha. Pensei.

Andando de volta, vi uma casa vermelha mais no alto da rua, estava tocando Raul e tinha uma galera de 6 pessoas na entrada. Achei melhor tomar algo antes de dormir. A língua estava desidratada. Passei pelas pessoas e achei que estavam me observando além do normal, estava na nóia.

Quando entrei, ao invés do tradicional balcão de bar e bebuns em volta, me deparo com uma grande sala vazia. A parede vermelha de frente tinha uma mandala gigante, feita de garrafões de vinho cravados na parede, virando um enorme vitral de doidão. Era mágico e muito colorido. Parei.
Eis que surge uma voz:

-O caminho metafísico se acelera, dependendo da qualidade de abstração alcançada ao se isolar o tempo. Foque no meio, e ao abrir a visão, abra junto a mente pela ponte do superego.

Caralho, consegui entender, consegui! Quando me virei pra ver a autoria da máquina do tempo, me espantei. Não tinha ninguém. Pourra!

Me posicionei em frente a parede. Passou um maluquete com uma elfa do lado, torrando um, pedi um-dois e eles foram gentis. Voltei a me posicionar no centro da sala, agora com os pulmões mandando pressão para o cérebro como um compressor enchendo pneu, eu foquei bem centro da mandala; nas caixas de som, Raul se dizia astrólogo... Daí, eu abri os olhos e a visão, juntos abri meus pulmões e minha mente... BUM!!!

Flashes multicoloridos invadiram minha cabeça, que estava tão grande por dentro quanto por fora. A gravidade se modificou pra deixar tudo mais leve, rodopio sorrindo e caio no chão de geléia. Escutei um parabéns. Levantei. Olhei, e de novo nada. Resolvi então, tentar voltar pra barraca mais uma vez.

O caminho agora estava bem mais relax, sentia tudo com mais intensidade. Cheiro do mato, das flores, dos bagulhos, das bostas... sons de cigarra, de viola, de grilos, de rio.....podia tocar tudo, sentia cada textura, frestas, asperezas, temperaturas e até um pastoso nos pés...
–Pastoso nos pés?


Olhei pra baixo e estava com os pés numa bosta de dinossauro, ok. Só que eu estava descalço. Cadê meu tênis? Não tinha a menor idéia aonde perdi meu tênis. E a merda verde deslizava por entre os dedos e fazia um barulho assim: FRUSsssshhhhhh! Formando uns montinhos tortos.

Me desenterrei e fui procurar um lugar pra me limpar. Na beira do rio lavei bem os pés. A água estava ótima e a lua refletia prateado para todos os lados. Vi um casal de libélulas trepando numa folha que quase encostava na água. -O homem definitivamente não sabe viver. Pensei.

Peguei o caminho de volta. Entrei no camping, a fogueira estava na brasa, perdi uma festa. Fui andando cansado, avistei a barraca, sobrevivi.

Abri o pandeiro, deitei e morri... Já muito encornado, senti uns três bicos na sola do pé, e uma voz:

-Qual é doido, sai da minha barraca!

-Que tua barraca nada. Resmunguei sem levantar a cara. –Só existe um pandeiro-barraca no mundo.

-Olha o doido! Mais três bicudas. –Vambora maluco! Quero dormir, porra! Gritou sei lá quem.

-Aí caralho, essa porra é a minha barraca. Levantei apontando pro pandeiro.

Quando eu olhei direito, era de fato, outra barraca e nem pandeiro era. Essa foi foda.
Olhei em volta e percebi que estava também em outro camping, desorientado por completo. Saí, me localizei, andei uns 200 metros e cheguei no Jamaica. Fogueira estava na brasa, perdi duas festas. Fui andando, avistei o Marrisso, dormindo fora da barraca, mas com os pés pra dentro.

-Tá vivo, maluco? Perguntei.

-Hmmpppfhh. Gruniu Marrisso.

Me ajeitei de lado, vi meu tênis intacto no cantinho. Estava feliz.

-Molusco?

-Ahn?

-Vamos pedir nossa grana de volta, esses ACS estão vencidos, maior sacanagem!

-É, vamos sim. Falei.

FIM

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

MALDITOS ARQUITETOS

O trabalho começou com a máquina dando pau, senti que ia ser uma sexta-feira foda. Murphy zoava nas sextas, disso eu tinha certeza. O almoço ter ido pro caralho, disso, eu também tinha certeza.

Olhei pro meu camarada de senzala e percebi que ele estava se transformando num indiano rastafári, eu com uma fome da porra e ele tranquilão.

-Qual é Kuque, tá pegado também ou tá no projeto faquir? Perguntei.
-Projeto faquir é o caralho, vou rangar! Vai não Molusco? Já pegando a carteira e os óculos escuros.

Estava enganado, ele ainda era o velho carnívoro de sempre. A fauna na criação era bem vasta. Começando com o próprio Kuque, diretor de arte, apesar do estilo “tatuador skatista criativoso”, Sr. Marcillius para os íntimos, era na verdade, um velho rabugento furador de bolas da molecada, era só uma questão de tempo. Na minha esquerda ficava o Animal, outro diretor de arte, que mudou de quilos pra arroba, usava a mesma calça jeans todos os dias e tinha uma cicatriz na barriga no formato A3, perdia o amigo, mas não perdia a piada. O redator era o Faraó, fazia estilo casado e sério, mas apostava minhas fichas como ele era um sadomaso, com masmorra e tudo. E pra terminar, tinha o Cabeça, jiujiuteiro maluco, que falava alto pra caralho, como se tivesse um Tojo ligado direto nele. Era o nosso courier.

-Vou porra nenhuma, depois eu rango uma parada lá no Istambul. Me fodi aqui nesse varejão de merda. Falei
-Belê, fui! Vou ver se encontro a galera.

Fiquei ansioso para terminar logo aquele anúncio, até porque sabia que o cliente ia mudar tudo mesmo. A agência onde eu trabalhava era pequena, mas era limpinha. Tinha uma galera responsa e um cliente grande, que queria os anúncios com títulos mágicos, entulhados de fotos, preços, formas de pagamento e tudo mais que pudesse convencer uma pessoa a pagar três vezes mais, por um produto muambado da china.

Finalmente terminei, deixei imprimindo e saí.

Já eram 15:40 e só restava o árabe, nada mal, melhor do que o bauru que comi no mercado São Sebastião. A porra do sanduíche veio submerso num óleo podre de frigideira, e ainda foi arremessado por cima de um muro de 5 metros... mas isso é outra história.

Quando cheguei, fui direto no expositor de kibes, aí aconteceu algo estranho. Eu me aproximei do vidro para ver o bicho, ele parecia apetitoso, mas reparei em uma espécie de reflexo nele todo, meio verde, meio metálico, devia ser alguma coisa verde por perto. Era um senhor kibe, sem dúvida, e estava acompanhado de um irmão idêntico. Eram gêmeos.

Pedi pro turco:
-Aí Pará! Me vê uma kibola dessa aí.
-Vai beber algo? Perguntou, já trazendo a peça.
-Vê uma coca abarrotada de gelo. E pedi. -Tem molho árabe aí, Pará?
-Do teu lado, te mordendo. Falou de costas.
-Valeu.

Daí passou o Animal, e berrou:
-Aí, isso não é um kibe, é uma granada!
-Hehehe. Ri abrindo a boca pra primeira mordida.

Hmmm, estava divino, apesar do reflexo ainda estar lá. Joguei alguns bons mililitros de molho de alho, e caí dentro. E a coca? Saltitavam os meus globos oculares a cada golada. A verdadeira felicidade também é encontrada em um copo de coca-cola com gelo, pensei. Pensei também na possibilidade de juntar os irmãos kibes no meu estômago, mas apareceu um coroa e arrematou o gêmeo antes de mim. –Me vê esse kibe aí! Pediu. Paciência, também não podia demorar muito, melhor assim.

Paguei, comprei uma bala e caminhei de volta a passos largos. A agência ficava a uns 200 metros do árabe. Logo nos 100 primeiros metros, percebi umas pontadas de nível 3 na barriga, pensei:
-Porra! Acho que comi rápido demais.

Quando cheguei no bloco, as pontadas já estavam mais intensas, tipo nível 5.
-Puta merda, vou chegar e ir direto ao banheiro.

Entrei na agência apressado e focado, me deparei com algumas visitas. Que merda.
-Oi Molusco. Falou o dono. –Esses são os diretores da Marleys, Massímo e Barney.
-Prazer, sou o Molusco. Falei angustiado com as pontadas, e analisando o banheiro.
-Eu disse a eles que você falaria sobre a nova campanha. Comunicou o dono.

Puta merda, olha o Murphy zoando! Estava com a maior cólica do mundo, prestes a virar a maior cagada, sendo interrompida por uma reunião com o cliente que pagava todas as contas da agência. Comecei a suar como um porco e tinha mais um agravante: o nosso banheiro.

Eu não podia entrar lá, não lá. Algum gênio da arquitetura, construiu a porra do banheiro no meio da sala. Tinha uns 5 centímetros de distância entre o chão e a porta, e todos que usavam o banheiro, usavam somente pra mijar, e mesmo assim, se ouvia o barulho do mijo por toda a sala, nem as mulheres escapavam desse verdadeiro show de horror. Uma vez, o Animal resolveu estragar lá e foi foda. Gastamos uns 10 incensos para amenizar e ouvimos vários ruídos constrangedores, parecia uma concha acústica. Imagina eu, que estava prestes a dar à luz a um rinoceronte... E ainda tinha visitas. Fodeu muita coisa.

Rapidamente, por extinto de sobrevivência, mandei:
-Seria melhor o Kuque apresentar, ele que concebeu o conceito. E rezei pra colar.
-Hmm, mas ele ainda não chegou do almoço. Retrucou o dono.

É verdade, cadê o Kuque? Sexta-feira normalmente se dá um bico na hora do almoço... Pedi pra todos os Santos existentes que me ajudassem a não cagar em público no meio de uma reunião. Aquela situação era uma prova da existência divina... Eis que, milagrosamente, Kuque surge porta. Deus existe!

-Então, ele acabou de chegar. Falei branco como um zumbi. -Kuque meu amigão, você pode apresentar para esses senhores o conceito da nova campanha?
-Hã!? Claro, claro. E me olhou sacando que algo de muito errado estava acontecendo.
-Se me dão licença... E saí numa fumaça ninja.

Só tinha um jeito, ir no banheiro do shopping, que por sinal ficava ao lado do Istambul, ou seja, 200 metros de sofrimento e passos à la Jerry Lewis.

A dor estava muito intensa, fui envenenado, não tinha dúvidas. Passei por uma vitrine e me vi com a maldita gota multicolorida na testa, isso era muito sério. Já tinha presenciado meu amigo Dentinho com a gota, e lembrava das cenas de dor e constrangimento. Fodeu. Sem falar que o banheiro do shopping, até onde eu lembrava, estava em obras. Mas não tinha certeza se a obra acabara ou não. Isso me dava 50% de chances.

Faltando 30 metros, meu esfíncter foi colocado a prova. Toda minha força estava direcionada em controlar esse músculo, que por sinal, estava cedendo como uma represa de desenho animado.

Quando entrei no banheiro do shopping, tive a maior visão celestial da minha vida. Anjos me receberam tocando trombetas e o céu aterrissou ali em forma de pisos e vasos zerados, podia passar a língua pelos cantos, de tão limpos e cheirosos que estavam. O paraíso também existe, pensei.

Meu cronômetro anal apitava como o cronômetro do Seaquest, e me restava muito pouco tempo. Pulei no primeiro box.

Tentei fechar a porta, percebi que isso seria impossível, devido a um desalinhamento das divisórias. –Ok, pulo pro próximo.

O segundo apresentava o mesmo problema. Comecei a ficar nervoso, não sei cagar de porta aberta, e merecia privacidade, já sofrera bastante.

No terceiro, nem entrei. Constatei o defeito tentado fechar a porta por fora. Fodeu, só restava um box, o de deficiente físico. Entrei e a porta fechou como a porta de um carro japonês. Estava a salvo.

Me senti numa mansão, o box era gigante e a privada bem mais alta, com apoio de braços e tudo mais, viva os direitos dos deficientes.

A granada explodiu. Comecei a me esvair em merda. Apesar das agulhadas na barriga e todo meu corpo curvado como um gongolo, era prazeroso me livrar daquele corpo estranho.

De repente escuto passos apressados entrando no banheiro. Não estava mais sozinho, tentei controlar melhor meus barulhinhos.

Ele possivelmente tentou o primeiro box e percebeu o defeito. Gruniu:
-Porra!

Aquela voz não era tão estranha. Daí ele pulou para o segundo box.
-Merda de porta! Falou estressado.

Tentou o terceiro box, o mais desalinhado de todos.
-Arghh! Bosta! Gritou sem perceber minha presença, se bem que o cheiro...

Peraí! Essa voz! Era o coroa que comeu o outro kibe, era ele! Puta merda! Se fodeu também.

Daí ele tentou abrir a minha porta. Putz, ainda bem que cheguei antes. Sinto muito velhinho. Pensei.

Acho que ele ficou muito puto, pois gritou:
-MERDA DE BANHEIRO FILHO-DA-PUTA!!! Deu uma bicuda na divisória e saiu.

Compreendi, mas continuei me esvaindo, cada um com sua dor de barriga.
De repente percebi que toda a estrutura estava balançando. A bicuda gerou uma onda de energia, que só fazia aumentar. Meus olhos não acreditavam naquilo, toda divisória ziguezagueando e eu distante, num vaso alto e o pior, cagando sério.

O paraíso se transformou no inferno. Olhei para os pés das divisórias, todos estavam sem parafusos, cilada dos peões. Cinco metros de divisórias balançando como João Bobo e eu ali estarrecido com todos os meus olhos arregalados. Como um contorcionista louco, me estiquei todo, e sem levantar minha bunda do vaso alto, alcancei a tramela, que foi escorregando...escorregando...escorregando... Quando senti que ia lombrar, tentei de tudo, tele cinese, rezei, foquei no open/closed mas não adiantou, a tramela escapuliu entre os meus dedos...

-NNNNNNÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOO!!!!!!!!!! Gritei desesperado.
O barulho que seguiu foi algo como uma bomba caseira. Imagina toda aquela divisória chapando em um piso zerado e polido. BBBRRRRAAAUUUHHHHHHH!!!!!!!!!!

Em poucos segundos, umas doze pessoas surgiram para ver o que houve. Seguranças com cassetetes, umas faxineiras com meias na cabeça, alguns peões de capacete e uns transeuntes curiosos. E eu lá, cabeludo quase albino, exposto como um macaco raro, sentado naquele vaso especial, com as calças lá no pé e a bunda totalmente suja, o que fazer? Entrei em pânico e só gritava:
-NÃO FUI EU! NÃO FUI EU! FOI O CARA DO KIBE! O CARA BICOU! EU JURO!

As pessoas ficaram ali me olhando paralisadas, toda estavam analisando a situação inédita, o segurança estava se segurando muito pra não ter um ataque cardíaco de tanto rir, mas mesmo assim perguntou se estava tudo bem. E eu falei:
-COMO TUDO BEM? TUDO BEM PORRA NENHUMA! VOCÊS PODERIAM ME DAR LICENÇA PARA EU LIMPAR A BUNDA!? OBRIGADO!!!

Foi a derradeira. –UAHHHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH! Todos rindo ao mesmo tempo. –HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! Estavam passando mal, tinha uma tiazinha da faxina que estava apontando pra mim e gargalhando. Não via tanta graça. –UAHAHAHAHAHAHA! Enfim, saíram.

Limpei a bunda, subi a calça e me preparei para atravessar de novo aqueles 200 metros. Corri como um queniano pra me livrar da chacota, mas as gargalhadas e olhares me acompanharam até o bloco.

Definitivamente uma sexta-feira de merda. Até eu ri de mim mesmo.

FIM

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

PERDÃO SENHOR

Saí desnorteado... Foi uma porrada e tanto na cabeça. Quando cheguei na calçada, a cena que vi foi terrível. Apenas os pés estavam pra fora... Dentinho olhou pra mim e falou chorando:

-Atropelaram o Muga, Molusco! Dentinho se agachou na frente do carro: -Ele tá preso lá embaixo.

Só faltava essa, logo o Muga, e na frente do bar...puta que pariu! Mas espera aí, conheço esse carro. Caralho, minha cabeça tá pesando uma tonelada. Tombei com a cara no chão.


Duas horas antes...


-E aí, qual vai ser?
-Sei lá Muga, vamos no Sacristia encher os cornos. Que tal Dentinho?
-Pode ser, mas vocês sabem que lá é fraco de mulher. Ajeita o cabelo. –Mas foda-se, tá tarde mesmo...
-Então partiu. Falei. –Muga, aproveita e taca fogo!
-Claro Molusco.
-É! Ri Dentinho.

Partimos com a Fiat prêmio enfumaçada em direção a Bangu. No tape rolava Pixies revezando com Cure. Já estava tarde, mas estávamos na pilha, fazendo jus a energia dos 21 anos.

O Sacristia era o bar dos punks e da galera alternativa da zona oeste do Rio. Era um casarão com pé-direito gigante e TVs velhas passando Pantera cor-de-rosa e Pica-pau; rolava uma iluminação sombria e um som de qualidade. Uns shows bem legais, como do Zumbi do mato, faziam parte da programação não programada do bar e, o mais importante: o dono tinha trabalhado no Adrenalina, portanto, sabia todos os drinks fodas que já inventaram.

Chegamos e pegamos uma mesa de frente pro balcão. Como a tradicional fome lariquenta dominava, pedi:
-E aí Marcellus, beleza? O que tem de bom pra mastigar?
-Fala Molusco...que cara é essa, hein? Riu. -Que tal um sanduba de lascas de pernil com tomate e alface?
-Demorex, vou nesse sandubola mesmo! Vocês não vão comer nada? Perguntei pros dois.
-Hãã!? Se vira Dentinho com a cara deformada, estilo quadro de Picasso caído. Apesar de não balbuciar nada, o conhecia suficiente para saber que comeria até o dedão do pé.
-Eu vou num desse também. Falou Muga, com a cara monstrenga também.
-São três Marcellus! E três cocas também, com gelo gelado! Gritei.

Não demorou muito e eles chegaram, devidamente arrumados e apresentados, tinham uma aparência ótima. O pão era fininho, seguido das lasquinhas de pernil molhadinhas, com uma micro camada de maionese, e por cima, alface, tomate e umas rodelinhas de cebola. Que coisa mais bonita de se ver. Hmmm.

Dei uma golada demorada na coca, daquelas que estufam os olhos. Segurei o sanduba com as duas mãos, abri a boca quase deslocando o maxilar e pensei: -Porra, umas três mordidas dessa, e eu serei o cara mais feliz do planeta. Quando dei a mordida celestial ainda ouvi o Muga:
-Se liga que tem...
-AAAAAAAiiiiii!!! Gritei de dor. Algo havia penetrado pelo meu crânio e dado uma alfinetada no cérebro.-AAAiiii!!!

Puta merda. Esqueci de tirar a porra do palito de dentes que atravessava todo sanduba. Agora ele estava cravado no céu da minha boca. Segurei e puxei; senti gosto de sangue e começou a latejar. Muga e Dentinho estavam se cagando de rir. O jeito era tapar o buraco com lasquinhas de pernil.

-E aí, qual vai ser? Perguntou Dentinho com a boca cagada de maionese.
-Marcellus, chega aí! Gritei.
-Opa, tava bom o sanduba?
-Foda! Tirando o fato de quase me matar com um palito de dentes. Mas fala aí, o que recomenda pra beber?
-Que tal o Perdão Senhor? Perguntou olhando sério para nós.
-Que porra é essa? Vem o quê? Perguntou Dentinho.
-É pra macho, vem de tudo um pouco e mais um toque secreto misturado com limão. E aí, vão encarar? Olhou sério de novo. Bolei.
-Vamos pedir um pra ver qual é, se for bom a gente pede mais. Falou Muga.
-Hahaha, tem que ser um de cada vez mesmo, vocês já vão entender. Saiu Marcellus e falou com seu sócio, que nos olhou com cara de despedida. Não entendi nada.

Enquanto isso, a Pantera cor-de-rosa tentava passar por um campo minado e eu estava com o céu da boca explodindo de dor. Na entrada, tinha uns quatro punks com camisa do Exploited e da Anarquia; no canto esquerdo, uma mesa com duas lésbicas se pegando. Alguém montava um bateria precária no outro canto, e de fundo musical, Sister of Mercy fazia a festa. Curiosamente o bar estava lotado na calçada, onde uma galera dividia uma garrafa de cana trazida sei lá de onde.

-Aqui, preparado para los tres amigos. Aparece Marcellus com uma taça gigantesca, tipo aquela de sorvete do Viena, transbordando de um líquido esverdeado e turvo, com a borda cravejada de açúcar.
-Caralho! Deve ter um litro de birita aí! Se espanta Dentinho.
-Deve tá o maior suquinho de limão. Desdenhei.

A taça gigantesca foi colocada ao centro da mesa, cada um recebeu um canudinho e começamos a secar a taça juntos. Tipo corrida.
O gosto era fantástico, dava pra perceber vodka, rum e tequila. Matamos rápido, tava levinho, bebida de moça.
-Vê outro Ki-suco desse. Pediu Muga rindo à toa.

Enquanto o segundo estava sendo preparado, no canto da bateria já tinha agora um baixo e uma guitarra. Por ser uma Flying V, desconfiei que seria uma noite hard. Beleza. E as minas continuavam a se pegar, que beleza...

-Chegouuuuu! Fala Marcellus aterrissando a nova dose na mesa. –Vão devagar, isso é sério.
-Ki-suco, Ki-suco! Riu Muga, pegando uns cubinhos de gelo e jogando dentro na minha camisa.
-Tá maluco, Muga! Porra.
-Hahaha! E joga gelo no Dentinho também.
-Porra Muga! Tá desperdiçando gelo! Vamos beber.
-Corrida então. 3, 2, 1, vambora macacada! Gritei.

Enquanto enxugava, percebi que os olhos do Muga estavam ainda mais juntos. Quando isso acontecia, era sinal de que ele estava entrando em outra dimensão. Dentinho estava com a cara de borracha, paralisada num sorriso eterno. Fodeu, mas curiosamente estávamos bem, ainda não tinha batido nada, muito estranho.

-Essa acabou rápido demais, pede outra aí Molusco. Falou Dentinho.
-Vou ali fora ver qual é. Levantou Muga.
-Senta aí, vamos tomar mais uma. Falei.
-Vou ali e já volto, preciso respirar.

Muga levantou, se dirigiu à porta num zigue-zague preocupante e sumiu.

-Muga tá louco, ele é fraco pra bebida. Riu Dentinho.
-Olha ela aí! Aparece Marcellus com a terceira dose de suquinho. –Cadê o maluco que tava aqui?
-Foi dar uma volta. Falei. –Deve ter ido comprar uma Schweppes. Hahaha.

Tudo parecia tranqüilo, tirando o fato do Muga ter sumido há alguns minutos, deve ter conhecido alguma maluca lá fora. Melhor pra ele.


-Fala aí Dentinho, birita tranqüila, só tem tamanho.
-Podes crer. E Muga, hein? Tô preocupado, acho que levaram ele.
-Levaram ele? Ta doidão? Como assim?
-Acho que raptaram o Muga. Falou Dentinho mamando o Perdão Senhor.
-Como raptaram? Quem iria levar o Muga? Um pé-rapado como a gente.
-Essa porra de tirar os órgãos... isso é foda!
-Os órgãos do Muga devem estar todos podres. Não servem nem para pôr num babuíno. Ri.
-Levaram o Muga! Levaram ele, tô te falando! Começa e se desesperar Dentinho.
-Calma aí porra! Vamos tomar só mais um suquinho, ok? Daí a gente procura ele.
-Marcellus! A saideira, please! Caprichado!

Se bem que Dentinho falando daquela maneira, começou a me deixar preocupado. A quarta dose chegou junto com os primeiros acordes da banda do canto escuro. Mal demos o primeiro gole e Dentinho levantou.

-Vou recuperar o Muga! E saiu, totalmente fora de prumo, indo em direção à porta. Sumiu.


Fiquei sozinho na mesa e a banda começou a quebrar tudo. Foi dando uma sensação de vazio e solidão, e nada dos caras aparecerem. Que merda.

Resolvi procurar meus amigos, matei o quarta dose que desceu muito forçada, levantei. Olhei para fora e tracei uma reta imaginária, o som estava embaçado, a banda era uma merda e o ambiente estava mais escuro que nunca. Dei o primeiro passo.

-Porra, tá foda de andar. Falei olhando pras lésbicas que, por sinal, cagaram pro meu comentário.

Dei uns três passinhos rápidos e um lento pra tentar me equilibrar, quase voei na banda num mosh involuntário. Dei um pulo pro lado e me agarrei na porta, que porra é essa?
Desci dois degraus quase que pagando promessa e avistei Dentinho chorando.

Aí então...

Saí desnorteado... Foi uma porrada e tanto na cabeça. Quando cheguei na calçada, a cena que vi foi terrível. Apenas os pés estavam pra fora... Dentinho olhou pra mim e falou chorando:
-Atropelaram o Muga, Molusco. Dentinho se agachou na frente do carro. -Ele tá preso lá embaixo.

Só faltava essa, logo o Muga, e na frente do bar...puta que pariu. Mas espera aí, conheço esse carro. Caralho, minha cabeça tá pesando uma tonelada. Tombei com a cara no chão.


-Dentinho, esse carro é meu! Falei caído. Esse é o porcomóvel, Dentinho!
-Filho da puta!! Você atropelou o Muga! Chora e grita Dentinho.
Começo a chorar. –Atropelei o Muga...Juro que não vi!!!! Que merda! Eu não vi!! MMMUUUUGGGAAAAA!!!!! Dentinho, como isso foi acontecer? AAhhh!!! Mugaaaa!!! Fala comigo, fala!!! Me agarro em Dentinho, desesperado.
-Me solta, assassino! ASSASSINO!!! Chorando histérico. -Como pôde? Ele é nosso amigo! AHHH... Como vamos falar pra mãe dele? Como? Assassino! Você vai falar! Me solta! E abaixa a cabeça.

Todos chorando, inclusive o Muga.

-Peraí, o Muga tá vivo! O MUGA TÁ VIVO!!! PORRA!! MILAGRE!! CARALHO!! SAI DAÍ MUGA!!
Berrei com sorriso gigante.
-Ele tá preso nas ferragens! Gritou Dentinho. –Tá preso...

-Muga! Tenta sair! Gritei.

Muga tentava levantar como que fazendo abdominal e porrava com a cabeça no fundo do carro. Louco.
-Pega um pé que eu pego o outro. Falou Dentinho. –Vamos puxar.
-Ok, 1, 2, 3, puxa Dentinho!

Fomos interrompidos por um cara com a cara do monstro sem rosto do Scooby-doo.
-Por acaso, algum de vocês tem Lucky Strike? Perguntou.
-O quê? Tá maluco?
-Serve Marlboro? Perguntou Dentinho.
-Não, só Lucky Strike. Tem não né?
-Nem tenho, porque Lucky Strike não se acha assim por aqui, mas na Zona Sul....
-Caralho! O Muga tá preso porra! Gritei.

Começamos a ralar o Muga no asfalto, que berrava como um porco. Depois de umas quatro tentativas, e vários ralados, ele se soltou.

-Muga tá vivo! Nos abraçamos. Ele chorou com seus olhos juntos.

Os três estávamos em frente ao bar, caídos no asfalto, precisamente na sarjeta. Eu fui entender que aquela vaga foda em frente ao bar era uma cilada do destino. Caímos nela. A calçada estava lotada de gente e a gente chorando.

-Vamos embora! Paga lá Dentinho! Falei dando minha parte pra ele.
-Impossível! Sem condições.
-E eu fui atropelado. Riu Muga.
-Depois a gente paga, vambora! Falei.

Tentei algumas vezes abrir o carro em vão. Em volta da fechadura já estava completamente arranhado... quando ouvi uma voz feminina:
-Vocês não vão embora assim não, né?

Quando olhei, uma mina loira demais pro lugar, com curvas angelicais, nos repreendia com cara de cachorro na chuva.

-Vamos sim, estamos bem. Falei, sem noção.
-Eu perdi um amigo assim. Disse a loira.
-Eu também, o Porcão!
-É ele mesmo! Você conhecia ele?

Todos conheciam o Porcão. Ele comeu um cadarço de Mad-rats imundo depois de uma partida de porradoball, no intervalo do pré-vestibular. Eu o vi enfiar um cachorro-quente inteiro na boca, após uma mina perguntar se ele queria um tasco. Esse era o Porcão.

Chorei pela coincidência, mas conseguimos abrir o carro e pulamos dentro. Muga não tinha forças pra sentar e foi deitado entre o banco da frente e o de trás. Dentinho ficou do meu lado de co-piloto, mesmo que meio desmaiado e eu fiquei responsável pela condução segura. Fodeu. Deixamos a loira e os punks fedorentos para trás.

O mais impressionante na volta foi o copy-paste de carros e bumbas, todos estavam duplicados, procurava passar sempre no meio. Dei algumas freadas bruscas, e nessa hora Dentinho berrava algo do tipo: - Caralho!

No caminho, Muga falou:
-O Antônio me roubou!
-Hã!? Tu tá doidão ainda? Já não basta se meter embaixo do carro?
-Comprei um pão e ele segurou meu troco. Balbuciou Muga.
-Filho da puta, isso não se faz! Falou Dentinho.
-É! Se eu pego ele, ele tá fodido. Ele tem que devolver meu dinheiro.
-Pára lá Molusco. A gente vai pegar a grana do Muga.
-Puta merda!

Parei em frente a padaria, saímos do carro e começamos a gritar:
-ANTÔNIO, SEU FILHO-DA-PUTA, DEVOLVE O DINHEIRO DO MUGA! ANNNTTTÔÔÔNNNIIIOOOO!!!! FILHO-DA-PUTA LADRÃO!!!

De repente, do nada, aparece meu vizinho Nélio, de pijamas e com uma cara de que tava muito puto.

-Que porra de gritaria é essa? São 4:30 da manhã!
-O Antônio não devolveu o troco do Muga! A gente quer o troco do Muga, porra! Gritou Dentinho.
-É isso aí! Falei. –Antônio é um ladrão filho-da-puta!
-ENTÃO VÃO PARA O ANTÔNIO, CARALHO! AQUI É A PADARIA DO SEU MÁRIO!!!! Berrou Nélio.

Deixei meus comparsas em suas residências e consegui arduamente chegar na minha toca. Abracei a privada pro mundo parar de girar e pedi perdão senhor.

FIM