segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

NAVE E LUA

Quando vi a barraca, não acreditei, era igual a um pandeiro. Marrisso só podia estar me zoando, mas nem estava; esse era o problema.

-Doido! Isso é um pandeiro. Falei preocupado. -Não cabe nem um hamster, imagina nós dois.

-Qual é Moluscão? Vamos ou não vamos? Falou Marrisso rindo.

-Vamos. Mas que é um pandeiro...

Partimos de Sulacity para o Sana. Saímos por volta das 10 e o Sol rachava a moleira.

-Acende um pra refrescar. Pediu Marrisso.

-Já é. Respondi já pegando una punta malocada no hiper-ultra-megadechavator.

Estávamos bem estruturados. Fora o Plus-Vitta com presunto e a Big Coke de vinho palmares, a Fiat Prêmio ainda malocava algumas pontas e uns trocados. Sana, aí vamos nós! No tape Roadstar, Secos e Molhados nos colocava no clima hippie limpinho.

Chegamos depois do almoço. Percebi que o feriado movimentara um pouco a cidade, fomos para o Jamaica. Eu sabia que lá rolava uma tal sopa de leprechau a noite. Deve dar maior onda.

O Jamaica é um camping espaçoso, tem uma área pra fazer fogueira bem no meio do terreno. Uns detalhes rastafáris decoravam o lugar e o fundo musical de rio era bem maneiro.
Chegamos com as mochilas e o pandeiro. Então falei:
-Só quero ver essa barraca-pandeiro montada. Tem que ser ninja pra montar essa porra.

-Pois é Moluscão. Tom sarcástico. -Realmente precisa de muita perícia, olha só! Marrisso jogou o pandeiro-barraca para o alto, que se abriu como um ovo de Pokémon e caiu de pé igual a um gato. A parada era auto-montante. Pourra!

Arrumamos as coisas dentro da barraca, que até pareceu maior e ficamos curtindo o visual do lugar... do caralho.

-E aí Marrisso? Vamos tomar um AC pra climatizar?

-Vambora. Mas vamos naquela pedra. Apontou para uma pedrona.

A tal pedrona devia ter uns 3 metros de altura, era bem redonda e elegante. Ela ficava em frente a uma trilhazinha. Tinha uma textura de ferrugem e grafite. Ótimo canto para virar lagarto.
Subimos como locais na pedra e eu puxei da carteira ½ planetinha, que viraria ¼ . Marrisso puxou uma navezinha, que teria o mesmo fim.

-Qual é da navezinha? Perguntei.

-É só um desenho, é tudo a mesma coisa.

-Discordo. Uma você pilota, o outro você pousa. A doideira deve ser diferente.

-Porra nenhuma, é só um desenho. Tanto faz se tiver o Bozo ou o Dart Vader, não faz a menor diferença.

Enquanto filosofávamos, o ácido derretia debaixo de nossas línguas e nada acontecia. Comecei a desconfiar da remota possibilidade de ter tomado uma volta.

-Marrisso, já tem uns 20 minutos e nada!

-Pois é, sugiro tomar mais ¼ para garantir.

Marrisso sempre foi mais impulsivo que eu no quesito cabeção, mas sua proposta era boa, incrementei, sugerindo que trocássemos os ácidos.
Vinte minutos depois:

-Marrrrrrrisssssssso! Tomamos uma volta! Essa porra é falsi!

-É mesmo, Moluscão. Puta merda, nos fodemos. E ainda gastamos uma grana, sacanagem!

E ficamos ali esperando algo acontecer.

Mesmo muito bolado não pude deixar de reparar na beleza do dia. O céu estava com uma cor sem nome e rolava uma brisa quase fria sob um sol laranja avermelhado. Pintura.
De repente eu gritei:

-Caralho Marrisso! Olha o tamanho daquele cachorro! Apontei para a estradinha de terra.


-Caraca, parece um cavalo... PORRA MOLUSCÃO! É O MAIOR CACHORRO QUE JÁ VI NA MINHA VIDA! Gritou Marrisso.

Parecia uma versão do ajudante-de-papai-noel escalonada, era esguio e ágil, arrojado como uma tatuagem tribal. Era um cão tribal. E vinha em nossa direção.

-Sobe mais na pedra Marrisso! Essa porra vai morder a gente. Gritei.

-Olha! Ele tem cara de manso, não deve morder.

-Mete a mão então, que eu quero ver? Porra, ele deve fazer uns cocôs gigantes...puta merda. Falei.

O cachorro continuou na trilha e desceu em direção a praça. Cagou pra gente.
Ficamos ali falando do cachorro gigante e de repente, na mesma trilha:

-PUTAQUEPARIU MOLUSCO! OLHA O TAMANHO DAQUELA MULHER! Gritou estarrecido Marrisso.
-CARALHO, É A DONA DO CACHORRO TRIBAL! SÓ ELA PODE TER UM CACHORRO GIGANTESCO. Ei, doida! O seu cachorro foi pra lá. Apontei pra direção da praça. A mulher ficou me olhando e eu tive pena dela.

A mulher nem era feia, era uma hippie-sasquatch de uns 2 metros e tal. Me imaginei trepando com ela e achei graça, ou beija, ou fode.

-Merda cara. Imagina você ser um gigante? Achar uma pessoa da sua altura? Deve ser bizarro. E um tombo? É igual voar do segundo andar. Porra Marrisso, vi tristeza no olhar dela.

-Que nada, no fim, todos arrumam um parceiro... pode ser gordo, feio, magro, errado, chato, com chulé, publicitário, careta... Todos!

O dia passava e nada do ácido bater. A luz espetacular estava dando lugar ao luar e aos poucos as pessoas voltavam da cachoeira. De repente Marrisso berra apontando:

-VIU COMO PARA CADA PÉ EXISTE UMA PORRA DUM SAPATO VELHO!! Ó o namorado da gigante, dona do cachorro tribal!

Quando me virei, vi um sujeito que parecia o Salsicha, versão grande pra caralho. Devia sem sacanagem, ter uns quase 3 metros... nada, tinha mais de 3 metros fácil. C a r a l h o!

-Aí maluco! Tua mulher e teu cachorro desceram a trilha! Se correr, você encontra eles. Falei simpático.

O cara me olhou meio estranho. Deu pena também. Com essas alturas, eles não se perdem nunca, isso é maneiro.

-Marrisso, se liga. É melhor a gente torrar um e tomar uma breja, porque se depender desse AC falsi, estamos fodidos!

-Podes crer, Molusquete. Taca fire! E acendeu uma generosa ponta.

Torramos um enquanto o sol descia no meio do mato. Descemos da pedra e pegamos a trilha em direção à pracinha. Nível de stress, -10.
Estávamos andando e me distraí um segundo vendo um hippie velho falar com um galho seco, e quando percebi, estava no meio do mato. Saí da trilha.
Olhei em volta e não vi nem trilha, nem Marrisso.

- Porra, não é possível que tenha me perdido, já estive diversas vezes aqui, impossível me perder. Pensei.

A noite foi surgindo junto com o meu desespero. Rodava, andava, berrava e nada acontecia. Fodeu! Mato fechado para todos os lados. Fodeu muito!

Eis que, inesperadamente apareceu uma mina do nada, com belos olhos verdes e umas tranças cor de taco de madeira.

-Olá, você quer uma ajuda para sair?

-Poxa, uma ajuda sua eu aceitaria mesmo não precisando. E estiquei a mão pra ela.

Ela pegou nos meus dedos com sua mão de seda e me puxou. Olhei para trás e não acreditei. PORRA!! EU ESTAVA PRESO NUMA CARALHA DE UMA CERCA VIVA! Procurei Marrisso e o encontrei caído no chão, se cagando de rir.

-UAHAHAHAHAHA. MolusHAHAHA!! E não conseguia falar.-Molu, MoluUAHAHAHHA.

Imediatamente, minhas mandíbulas mudaram pro modo gargalhada e comecei a ter um ataque de riso também. Via o Marrisso rolando no chão, e o ataque aumentava.

-HAHAHAHAHAHA, Porra!! HAHAHA não consigo parar, vou ter um treco!!! AHAHAHA.

Minha barriga estava totalmente contraída, lágrimas saltavam de meus olhos. Tinha que sair dali. Respirava um pouco, olhava pro Marrisso e de novo:

-HAHAHAHAHAAAAHAHAHAHA. PUTA MERDA! MARRIHAHAHAHAAHAHAH. VOU SAIR DAQUIAHAHAH.

Saí correndo cambaleando, abraçando a barriga, que doía horrores. Me afastei uns 50 metros, me virei e lá estava ele, caído no chão, me olhando e apontando. Marrisso também estava passando mal.

Sempre que avistava sua cabeça lá longe, de boca escancarada, começava a ter ataque de gargalhadas. Corri, passei por umas barracas que vendiam pulseirinhas hippies, e deitei na escada de entrada do bar do Lelei. Estava quase enfartando, precisava respirar.

Fiquei me recuperando, chacota total. De repente um sósia do Almir Sater estaciona seu alazão do meu lado, ele amarra o equino no poste. Um cavalo marrom bem tratado, o bicho estava tão próximo, que podia dar um beijo na testa dele.

Algumas pessoas me pulavam pra conseguir entrar no bar, umas estavam rindo, outras me olhavam num misto de preocupação e pena. Consegui parar de rir e me sentei na escada. Nesta hora, o cavalo se vira e sua enorme cara fica muito próxima do meu redondo rosto. Momento mágico, seu grande olho marrom me hipnotizou, num magnetismo que durou uns 5 segundos, trocamos umas mensagens telepáticas, ele se virou para o outro lado, eu fiz o mesmo pra pedir uma breja, quando escuto um hippie capoeirista gritar:

-O CAVALO PIROU! ALGUÉM SEGURA ELE! TÁ MALUCO!

Caralho, o cavalo enloqueceu de fato. Ele pulava e rodava, largando coices para todos os lados. Acertou algumas barraquinhas de artesanatos, fazendo chover pulseiras e cordões de pedras multicoloridas.

-PEGA ELE! PEGA!! ELE TÁ MALUCO! Gritava uma hippie falsi.

-FRANCESCA! QUIETA!! Berrou Almir Sáter largando o copo de cana em cima da mesa de sinuca e correndo em direção ao cavalo, que era égua.

Puta merda, ela saltava furiosamente, e eu estava prestes a morrer com uma ferradura no crânio, tinha que sair dali, ia ser pisoteado. Me arrastei enquanto tentavam acalmar a bicha. Wild horse total.

-É melhor eu voltar, essa noite está estranha. Pensei.

Andando de volta, vi uma casa vermelha mais no alto da rua, estava tocando Raul e tinha uma galera de 6 pessoas na entrada. Achei melhor tomar algo antes de dormir. A língua estava desidratada. Passei pelas pessoas e achei que estavam me observando além do normal, estava na nóia.

Quando entrei, ao invés do tradicional balcão de bar e bebuns em volta, me deparo com uma grande sala vazia. A parede vermelha de frente tinha uma mandala gigante, feita de garrafões de vinho cravados na parede, virando um enorme vitral de doidão. Era mágico e muito colorido. Parei.
Eis que surge uma voz:

-O caminho metafísico se acelera, dependendo da qualidade de abstração alcançada ao se isolar o tempo. Foque no meio, e ao abrir a visão, abra junto a mente pela ponte do superego.

Caralho, consegui entender, consegui! Quando me virei pra ver a autoria da máquina do tempo, me espantei. Não tinha ninguém. Pourra!

Me posicionei em frente a parede. Passou um maluquete com uma elfa do lado, torrando um, pedi um-dois e eles foram gentis. Voltei a me posicionar no centro da sala, agora com os pulmões mandando pressão para o cérebro como um compressor enchendo pneu, eu foquei bem centro da mandala; nas caixas de som, Raul se dizia astrólogo... Daí, eu abri os olhos e a visão, juntos abri meus pulmões e minha mente... BUM!!!

Flashes multicoloridos invadiram minha cabeça, que estava tão grande por dentro quanto por fora. A gravidade se modificou pra deixar tudo mais leve, rodopio sorrindo e caio no chão de geléia. Escutei um parabéns. Levantei. Olhei, e de novo nada. Resolvi então, tentar voltar pra barraca mais uma vez.

O caminho agora estava bem mais relax, sentia tudo com mais intensidade. Cheiro do mato, das flores, dos bagulhos, das bostas... sons de cigarra, de viola, de grilos, de rio.....podia tocar tudo, sentia cada textura, frestas, asperezas, temperaturas e até um pastoso nos pés...
–Pastoso nos pés?


Olhei pra baixo e estava com os pés numa bosta de dinossauro, ok. Só que eu estava descalço. Cadê meu tênis? Não tinha a menor idéia aonde perdi meu tênis. E a merda verde deslizava por entre os dedos e fazia um barulho assim: FRUSsssshhhhhh! Formando uns montinhos tortos.

Me desenterrei e fui procurar um lugar pra me limpar. Na beira do rio lavei bem os pés. A água estava ótima e a lua refletia prateado para todos os lados. Vi um casal de libélulas trepando numa folha que quase encostava na água. -O homem definitivamente não sabe viver. Pensei.

Peguei o caminho de volta. Entrei no camping, a fogueira estava na brasa, perdi uma festa. Fui andando cansado, avistei a barraca, sobrevivi.

Abri o pandeiro, deitei e morri... Já muito encornado, senti uns três bicos na sola do pé, e uma voz:

-Qual é doido, sai da minha barraca!

-Que tua barraca nada. Resmunguei sem levantar a cara. –Só existe um pandeiro-barraca no mundo.

-Olha o doido! Mais três bicudas. –Vambora maluco! Quero dormir, porra! Gritou sei lá quem.

-Aí caralho, essa porra é a minha barraca. Levantei apontando pro pandeiro.

Quando eu olhei direito, era de fato, outra barraca e nem pandeiro era. Essa foi foda.
Olhei em volta e percebi que estava também em outro camping, desorientado por completo. Saí, me localizei, andei uns 200 metros e cheguei no Jamaica. Fogueira estava na brasa, perdi duas festas. Fui andando, avistei o Marrisso, dormindo fora da barraca, mas com os pés pra dentro.

-Tá vivo, maluco? Perguntei.

-Hmmpppfhh. Gruniu Marrisso.

Me ajeitei de lado, vi meu tênis intacto no cantinho. Estava feliz.

-Molusco?

-Ahn?

-Vamos pedir nossa grana de volta, esses ACS estão vencidos, maior sacanagem!

-É, vamos sim. Falei.

FIM

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